Título: Barris de pólvora sob viadutos
Autor: Motta, Cláudio
Fonte: O Globo, 04/06/2010, Rio, p. 14

Barracos de madeira ocupam vãos das estruturas, mesmo após repetidos incêndios

BARRACOS DE madeira na Rua Paim Pamplona, sob o Viaduto José Alves de Morais, a 400 metros de onde um incêndio destruiu 25 moradias precárias há uma semana (no detalhe)

A COMUNIDADE Bandeira 1 sob o Viaduto de Del Castilho, também na Zona Norte: moradias precárias junto à linha do trem

EM BARROS FILHO, depósitos de material reciclado, com pilhas de papel e papelão, dividem espaço com barracos

As chamas podem até ser rapidamente debeladas, mas o risco de novos incêndios se perpetua sob dezenas de quilômetros de viadutos por toda a cidade, tomados de barracos precários, a maioria de madeira. Sob o mesmo Viaduto Procurador José Alves de Morais (que liga o Túnel Noel Rosa, em Vila Isabel, ao Jacaré, na Zona Norte), a 400 metros do local onde um incêndio destruiu 25 barracos, há exatamente uma semana, dezenas de famílias que vivem na Rua Paim Pamplona, na comunidade conhecida como Fazendinha, correm o mesmo risco.

Escondidos entre o Viaduto de Del Castilho e os muros da SuperVia, os moradores de 11 barracos da comunidade Bandeira 1 já enfrentaram um incêndio no início do ano. Vários barracos foram destruídos, e o viaduto chegou a ser atingido. Foi a segunda vez em que a comunidade, com mais de dez moradias de compensado, sofreu com o fogo. Agora, a associação dos moradores tenta chamar a atenção da Secretaria municipal de Habitação para ganhar casas novas em local seguro.

Nem mesmo a Avenida Brasil, uma das principais vias do Rio, por onde chegam a trafegar diariamente mais de 237 mil veículos, escapa do risco. Pelo menos em três pontos, na altura de Parada de Lucas, Brás de Pina e Barros Filho, há barracos sob a passagem dos carros, além de depósitos de material reciclado, com pilhas de papel e papelão.

Teto de asfalto mais assusta que protege

Na Rua Paim Pamplona, diante das condições precárias dos barracos, os vizinhos do último incêndio estão apreensivos.

¿ Disseram que vão tirar a gente daqui depois do incêndio. Não sei para onde vamos, mas criar crianças aqui não dá ¿ disse Taylane Santana, de 19 anos, que desde os 8 mora no local e hoje é mãe de duas crianças, uma de 4 anos e a outra de 7 meses.

A comunidade Bandeira 1 também é formada por casas de madeira. Além de ficar sob o Viaduto de Del Castilho, as casas estão ao lado de linhas de trem da SuperVia e da MRS. O acesso é feito pela via férrea. Pelo menos uma criança já foi ferida quando uma composição de carga passou pelo local.

¿ Já pedimos à Secretaria municipal de Habitação uma moradia definitiva. O número do nosso protocolo é 004848. Mas não queremos ir para abrigos temporários, para onde não poderemos levar nossos poucos pertences nem nossos animais de estimação ¿ disse a vice-presidente da associação de moradores, Cristiane Bispo.

O teto da casa de Kely da Rocha é o viaduto. Malconservado, ele assusta mais que protege:

¿ Quando chove, a parede dá choque. Caem pedaços de cimento na nossa cabeça. Uma das juntas está cada vez maior. Tenho medo de que ocorra outro incêndio, mas não tenho para onde ir.

Prefeitura planeja reassentamentos

Os moradores apresentaram um laudo da Defesa Civil (número 04346, de 2008) no qual técnicos teriam constatado o afastamento de uma das juntas, infiltração e queda de pedaços de concreto do viaduto.

A esperança de receber novas casas também é alimentada por moradores de áreas sob viadutos da Avenida Brasil. Paulo Cesar vive há 20 anos em Barros Filho, na comunidade chamada Pio 12:

¿ Sob o viaduto há oficina, ferro-velho, depósito de reciclagem e casas. Temos medo de que um incêndio cause uma tragédia, mas esperamos que a prefeitura faça a remoção para um local bom, com casas de qualidade, antes da Copa do Mundo.

Também na Avenida Brasil, em Brás de Pina, moradores vivem sob um viaduto em barracas improvisadas com plásticos pretos.

No Viaduto Procurador José Alves de Morais, uma semana depois do incêndio, a rotina ainda não voltou à normalidade. O trânsito continua liberado apenas para veículos leves. Guardas municipais impedem a passagem de ônibus e caminhões. A alça de acesso da Avenida Marechal Rondon em direção ao Largo do Jacaré e a de acesso da Rua Vinte e Quatro de Maio ao Largo do Jacaré continuam interditadas por tempo indeterminado.

Estudo preliminar da Coordenadoria Geral de Projetos (CGP) da Secretaria municipal de Obras indica que o incêndio não fragilizou as estruturas da via. A prefeitura informou que o prazo para a recuperação do viaduto é de quatro meses. Técnicos da CGP apontaram a necessidade de retirar o concreto deteriorado pelo fogo nos dois pilares, na parede de contenção e no tabuleiro do viaduto. Onde houver necessidade, serão acrescentadas novas estruturas de ferro (chamadas de armaduras) e algumas receberão reforço de concreto. Tapumes cercam o local e o concreto afetado está sendo retirado.

Os desabrigados também já começaram a ser atendidos. A prefeitura já começou a pagar R$1.200 ¿ um adiantamento de três meses do aluguel social ¿ a cada uma das 250 famílias da Favela Dois de Maio e demais comunidades instaladas sob o viaduto. As famílias que não tiveram suas casas atingidas pelo fogo ou demolidas pela prefeitura foram orientadas a deixar o local. Todas elas vão receber o aluguel social até que ganhem uma casa nova do Programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal. A prefeitura informou que está estudando a melhor solução para o reassentamento dos moradores. Até que uma solução definitiva seja encontrada, as famílias receberão o aluguel social para o pagamento de uma moradia temporária segura.

O secretário municipal de Habitação, Pierre Batista, informou que a prefeitura pretende retirar todas as famílias que moram em áreas de risco até o fim do atual governo, em 2012. De acordo com ele, há cerca de 13 mil famílias nessas condições. As áreas devem ser reutilizadas para evitar novas ocupações. Na Rua Ana Néri, por exemplo, está prevista a instalação de um depósito da Comlurb.

COLABOROU Daniel Brunet