Título: Longa história
Autor:
Fonte: O Globo, 04/06/2010, Opinião, p. 6

Tema em discussão : Bolsa Família e políticas sociais

O país emergiu da ditadura militar com fortes demandas ¿ de liberdade no exercício de direitos civis e de mudança de eixo nas despesas públicas, para se conceder mais ênfase aos gastos sociais. A questão virou lema no governo Sarney ¿ ¿tudo pelo social¿ ¿ , a primeira gestão civil depois de duas décadas de generais na presidência.

Na Constituinte de 1987, convocada para adequar a Carta à democracia, esta preocupação esteve tão presente que até hoje o Orçamento padece de grande inflexibilidade, dadas as amarras criadas para ampliar os gastos com as faixas mais pobres da população.

Lançado com êxito o Real, programa de estabilização da economia, entre o final do governo Itamar e o início da era FH, o próprio governo tucano tratou de criar linhas específicas de transferência de renda.

Experiências do prefeito tucano de Campinas, José Roberto Teixeira, já falecido, e do petista Cristovam Buarque, governador de Brasília, inspiraram o lançamento do Bolsa Escola em nível federal. Era um dos embriões do Bolsa Família, que alguns petistas propagandeiam como se fosse a pedra fundamental das políticas sociais.

Foi criado também um subsídio para ajudar o pobre na compra de gás. O que o governo Lula fez foi reunir os programas sob o nome Bolsa Família, e ampliá-lo para além do limite da precaução. Embora no documentário da campanha do primeiro turno, ¿Entreatos¿, do cineasta João Salles, o candidato Lula apareça comentando com Gilberto Carvalho que não acredita haver no Brasil 50 milhões de miseráveis, o Bolsa Família do presidente Lula chega a atingir, direta e indiretamente, quase um contingente desta dimensão.

Na ampliação do programa em alta velocidade ficaram visíveis falhas de controle, com denúncias de que até famílias de classe média eram beneficiadas pelos repasses de cunho social. Reconheça-se que o Ministério do Desenvolvimento Social, após um primeiro momento de resistência, passou a combater as distorções e, de tempos em tempos, se tem notícia do descredenciamento de beneficiários, principalmente por não cumprir contrapartidas exigidas: crianças assíduas na escola, vacinações em dia, visitas periódicas ao posto de saúde.

O Bolsa Família foi cabo eleitoral decisivo para Lula em 2006, principalmente nas regiões mais pobres, no Norte e Nordeste. Os mapas da apuração dos dois turnos daquela eleição comprovam.

Por isso, político prefere não fazer crítica ao programa.

Mas ele precisa passar por uma revisão. E ela será feita mais cedo ou tarde. O problema não é o programa, um consenso entre as forças políticas ¿ criado por tucanos, ampliado pelo governo lulista e institucionalizado.

Aumentar a eficácia do Bolsa Família é o aspecto a ser considerado por qualquer governo preocupado em administrar da melhor maneira possível o dinheiro arrecadado por pesados impostos. Ao se condicionar a distribuição do benefício à educação e à saúde, procura-se cortar o círculo vicioso da miséria: pobreza, doença, desqualificação profissional, mais pobreza...

Este objetivo estratégico precisa ser alcançado para servir de fundação a um verdadeiro desenvolvimento sustentado: população com aumentos de renda ¿ em função de seu nível educacional ¿ e o Estado com recursos para poder investir em infraestrutura e educação, prioritariamente. É assim que se dá um círculo virtuoso. O efetivo êxito da elite dirigente será medido pela redução do Bolsa Família, por desnecessário. Não o contrário.