Título: Meio bilhão em hora extra
Autor: Pereira, Daniel; Rocha, Marcelo
Fonte: Correio Braziliense, 21/06/2009, Política, p. 2

Ritmo dos trabalhos parlamentares contrasta com os gastos de ¿serviços extraordinários¿ de funcionários públicos da Casa.

Simon ataca: ¿Quem mandou dar hora extra no recesso? Ninguém sabe¿

O expediente dos 81 senadores costuma avançar noite adentro somente às terças e quartas-feiras. Às quintas, raras são as vezes em que eles ficam em Brasília para votações. Há, no entanto, um descompasso entre o ritmo dos parlamentares e o que a Casa paga de horas extras. Na consulta a dados oficiais sobre execução orçamentária, o Correio identificou que o Senado gastou R$ 459 milhões em adicionais por ¿serviços extraordinários¿ de janeiro de 2003 a junho deste ano. A quantia é suficiente para custear a construção da Hidrelétrica Corumbá III(1), obra constante do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) orçada em R$ 340 milhões.

Só em 2009, período que engloba o recesso parlamentar e os quatro meses e meio de gestão José Sarney (PMDB-AP) à frente da Presidência, a fatura da hora extra atingiu R$ 35 milhões. Na ponta do lápis, é uma média mensal de cerca de R$ 6,5 milhões, suficientes para pagar R$ 1 mil a mais, por mês, a todos os servidores da Casa. O ritmo de desembolso não diminuiu nem mesmo após o escândalo do pagamento do adicional a servidores em janeiro, quando havia férias, e o anúncio de uma política de austeridade por Sarney e o primeiro-secretário da Casa, Heráclito Fortes (DEM-PI). ¿Quem mandou construir um anexo? Ninguém sabe. Quem mandou dar hora extra no recesso? Ninguém sabe¿, reclama o senador Pedro Simon (PMDB-RS).

O parlamentar gaúcho é autor de proposta que prevê a realização de uma sessão plenária mensal na qual os senadores decidiriam sobre temas administrativos. Sarney já afirmou que adotará a sugestão.

Incorporação

No Senado, o pagamento de horas extras é tratado como salário indireto. Não deveria. Pelo menos é o que prega a legislação do serviço público: indenização por um serviço necessário e extraordinário. Na Casa, porém, virou hábito. Em 2006, foram desembolsados R$ 100 milhões com a despesa. Servidores de determinados setores têm sinal verde para ¿esticar¿ o expediente até mesmo às segundas e sextas, dias de Casa vazia. ¿Estou autorizado a fazer hora extra nos cinco dias da semana¿, afirma um funcionário lotado numa das comissões permanentes do Senado, as quais só votam, normalmente, uma vez por semana.

¿Até as CPIs instaladas, mas que estão sem reunir, pagam uma cota mensal de horas extras¿, reforça outro servidor. O Correio consultou a Secretaria de Comunicação do Senado na quinta-feira, mas não obteve resposta até o fechamento da edição. O pedido de informações também foi apresentado no mesmo dia ao diretor de Recursos Humanos, Ralph Campos. ¿O Senado tem de estabelecer diretrizes com relação a ponto de funcionários e horas extras¿, declara o senador Delcídio Amaral (PT-MS). Já Demostenes Torres (DEM-TO) diz que avaliará a possibilidade de garantir aos funcionários da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) o direito de receber hora extra segundas e sextas.

Hoje, o benefício está limitado aos demais dias úteis. ¿O problema do Senado é o servidor que não trabalha¿, diz Demostenes. No rastro do escândalo dos atos secretos, descobriu-se até uma norma escondida na gaveta da direção que permitiu o pagamento de horas extras a 800 funcionários. O pagamento do adicional é assunto da Primeira-Secretaria. Foi Efraim Morais (DEM-PB), ex-ocupante do cargo, que autorizou a suposta jornada extra em janeiro. Apesar das declarações de condenação por parte de parlamentares, só no mês passado foram adotadas medidas para tentar conter a sangria. Heráclito Fortes, sucessor de Efraim, baixou regras e estuda a implantação de ponto eletrônico.

¿Há um aumento exagerado das despesas do Senado e da Câmara sem a melhora do serviço. É preciso reformar o Legislativo e buscar eficiência¿, diz o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Simão.

1 - USINA DO PAC A hidrelétrica será construída no Rio Corumbá, próximo a Luziânia (GO). A produção de energia será distribuída também para o Distrito Federal e se dará a partir de duas unidades geradoras, totalizando 93,6 MW de capacidade instalada.