Título: Turbulência fiscal chega à Hungria
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 05/06/2010, Economia, p. 19

Governo diz que está em dificuldades, não descarta moratória e derruba mercados em todo o mundo

Como se não bastasse a crise fiscal na Grécia e na zona do euro, a Hungria ¿ que faz parte da União Europeia (UE), mas não adotou a moeda comum do bloco ¿ caiu ontem na roleta russa dos mercados: o país está na mira de investidores, gerando temor de que a crise possa estar se alastrando para a Europa do Leste e Central. O motivo foi uma declaração do porta-voz do novo primeiro-ministro de centro-direita do país, Viktor Orban, acusando o antigo governo socialista de ter falsificado números da economia, como fez a Grécia. Em consequência, a moeda húngara, o forinte, e as bolsas no mundo despencaram, sendo as ações também influenciadas pela divulgação de que a geração de emprego no setor privado dos Estados Unidos foi fraca. Em Nova York, o índice Dow Jones caiu 3,15% e o Nasdaq, 3,64%.

Entre as europeias, a Bolsa de Madri registrou queda de 3,8% e a de Paris, 2,86%. No Brasil, o recuo foi de 2,01%, para 61.675 pontos.

¿ Na Hungria, o antigo governo (socialista) falsificou números ¿ disse o porta-voz, Peter Syijjarto. ¿ Na Grécia, também falsificaram números. Mas na Grécia o momento da verdade já chegou. Na Hungria, ainda não.

O porta-voz não parou aí. Disse estar claro que ¿a economia vive uma situação grave¿ e não excluiu a possibilidade de moratória. A moeda húngara caiu 5,6% em relação ao euro, e o custo da dívida do país subiu 1%. A desvalorização da moeda é dramática para 1,7 milhão de húngaros, que se endividaram em moeda estrangeira ¿ sobretudo em franco suíço ¿ por causa dos juros mais baixos, para comprar casa ou apartamento.

Se a Hungria falsificou ou não números, o novo governo ¿ conhecido por um discurso nacionalista e populista ¿ ainda terá que provar. De qualquer forma, o estrago está feito.

O ex-ministro das Finanças do governo socialista Peter Oszko reagiu ontem dizendo o país ¿não está de forma alguma perto de um calote¿ e atribuiu tudo a uma ¿tática política de curto prazo¿ do novo governo, que passou anos na oposição.

Viktor Orban assumiu o comando do país no dia 29 de maio (já havia ocupado o mesmo cargo entre 1998 e 2002), depois de prometer sombra e água fresca para os húngaros, em plena crise europeia e mundial: baixar impostos, acabar com o plano de austeridade fiscal e até aumentar o tempo de licença-maternidade dos atuais dois para três anos.

Em 2008, com alto nível de endividamento privado e público, a Hungria se viu sem crédito no mercado e teve que recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e à União Europeia (UE). O país obteve um pacote de C 20 bilhões, dos quais já usou C 4,5 bilhões, sob promessa de colocar as contas do país em ordem, por exemplo, baixando o déficit fiscal para 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos). Mas o novo governo já anunciou que quer renegociar os termos desse pacote de ajuda e que não vai aceitar que FMI e UE ditem as regras. O pacto que criou a União Europeia estabelece 3% do PIB como teto máximo para o déficit fiscal.

¿ Estou abismado com esses comentários.

É ridículo e extremamente perigoso. Que mensagem você passa para os investidores estrangeiros? ¿ reagiu Tom Ash, responsável pelos mercados emergentes no Royal Bank of Scotland.

O grande suspense agora é o que fará o novo governo de Orban. O porta-voz anunciou que o Executivo se prepara divulgar um plano econômico em breve. Mas, antes, quer divulgar os números do Orçamento, ocasião em que, segundo o porta-voz, ficará claro que a situação da economia está ¿muito pior¿ do que se imaginava.

¿ Os investidores estão perdendo a paciência ¿ disse Gyorgy Barta, economista do banco italiano Intesa Sanpaolo. ¿ O governo precisa agora apresentar um plano convincente de consolidação fiscal.

A Hungria está há pelo menos cinco anos tentando arrumar suas contas: conseguiu reduzir seu déficit fiscal para de 9,3% do PIB em 2006 para 4% no fim de 2009.

Nos EUA, Censo puxa contratações

No Brasil, os temores em relação aos países da UE, somados à decepção com relação aos dados do mercado de trabalho americano, levaram também o dólar comercial a subir 1,75%, cotado a R$ 1,859, além de derrubar a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Para Paulo Hegg, analista da Corretora Um Investimentos, a queda da Bovespa só não foi maior por causa da recuperação dos papéis da Petrobras no fim do pregão.

As ações preferenciais (PN, sem direito a voto) da estatal avançaram 0,52%, e as ordinárias (ON, com direito a voto) subiram 1,44%, a quarta maior alta da Bovespa.

¿ A forte queda das commodities no mercado internacional influenciou bastante a Bovespa negativamente.

Mas a Petrobras, com a descoberta de novos poços no pré-sal da Bacia de Campos, conseguiu fechar no campo positivo, impedindo uma queda maior, como as registradas em Wall Street.

Nos EUA, as empresas privadas reduziram fortemente o ritmo de contratação em maio, desapontando os analistas e investidores, que previam um resultado mais vigoroso. Apesar do número de empregos ter subido para o seu maior patamar em dez anos, com a criação de 431 mil vagas, o aumento da folha de pagamento das empresas foi de apenas 41 mil contratações, revelou ontem o Departamento de Trabalho dos EUA. O aumento só se deveu à convocação de mão de obra para a realização do Censo no país, trabalho de apenas alguns meses. Apesar disso, analistas não acreditam que a economia americana esteja voltando para um quadro de recessão.

¿ Acreditamos que o setor privado vai melhorar no resto do ano ¿ disse Nigel Gault, economistachefe da IHA Global Insight.

COLABOROU: Emanuel Alencar, com agências internacionais