Título: Lula: 'Países votaram por birra em sanções'
Autor: Francisco, Paulo
Fonte: O Globo, 10/06/2010, O Mundo, p. 38

Presidente critica Conselho de Segurança e seus membros. Amorim acusa EUA de promoverem barganha na votação

Irritado com o resultado da votação no Conselho de Segurança da ONU, que aprovou ontem uma quarta rodada de sanções ao Irã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que os países a favor das punições contra Teerã votaram por ¿birra¿ e cometeram um equívoco.

Já o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, reconheceu que Brasil e Turquia podem não dar continuidade às tentativas de negociações em busca de um acordo para o fim do impasse envolvendo o Irã e a comunidade internacional.

Segundo ele, sob sanções a possibilidade de o Irã negociar se torna mais difícil.

¿ Em vez de chamarem o Irã para a mesa, eles resolveram, na minha opinião, apenas por birra manter as sanções, que vão terminar não tendo nenhuma implicação para o Irã ¿ disse o presidente Lula, após solenidade em Natal, no Rio Grande do Norte. ¿ Eu sinceramente espero que o companheiro Ahmadinejad continue tranquilo ¿ afirmou o presidente ao falar sobre o líder iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.

Amorim teme por acordo de enriquecimento de urânio Apesar de afirmar que não vê razões para que as sanções ao Irã tenham qualquer impacto sobre aquele país, o ministro Celso Amorim acredita que há uma indefinição sobre o acordo assinado em maio por Brasil e Turquia sobre o enriquecimento do urânio iraniano. Em entrevista coletiva no Palácio do Itamaraty, ele deixou claro que há dúvidas sobre o futuro do Acordo de Teerã e da participação de Brasília e Ancara nas negociações.

¿ Não sei se o Brasil e a Turquia vão continuar a trabalhar para buscar um acordo.

Sob sanções, a possibilidade de o Irã vir a negociar é muito menor. É o fim de uma etapa, de um processo ¿ disse ele, ao criticar a votação: ¿ Foi uma decisão irrazoável. Diante de toda a reação, em privado também, a única posição honrosa, correta e justa era Brasil e Turquia votarem contra a proposta de resolução.

Por isso, estamos absolutamente tranquilos e o povo deve se orgulhar da posição que o Brasil tomou.

Lula diz que a decisão foi um equívoco Em sintonia com o chanceler, Lula disse que a tomada de decisão do Conselho de Segurança foi um ¿equívoco¿. O presidente comparou o resultado a um pai duro que impõe castigo ao filho apenas para demonstrar sua autoridade.

O Conselho de Segurança da ONU é composto por Estados Unidos, França, Alemanha, Reino Unido, Rússia e China, além de outros dez países que se revezam.

Na votação de ontem, 12 nações foram favoráveis às punições.

Brasil e Turquia votaram contra e Líbano, se absteve. Segundo Lula, o Brasil tomou a decisão que o governo entendeu necessária, já que tinha assinado um documento que dava uma chance aos países membros do conselho de negociar.

¿ Eu acho que é um episódio, que, na minha opinião, enfraquece o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ele representa uma correlação de força existente em 1948, quando foi criada a ONU. Portanto, a geografia política e econômica no mundo mudou, e nós queremos que a ONU tenha mais representatividade, que tenha gente da América Latina, da África, da Índia e outros países ¿ declarou.

Amorim, no entanto, foi mais crítico. Em depoimento às comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, sugeriu que os EUA promoveram uma barganha para aprovar as sanções contra o Irã. Para ele, alguns países obtiveram vantagens para ¿vender isso ou aquilo¿ em troca do voto favorável às sanções.

¿ Isso não é um bom exemplo dado pelo Conselho de Segurança.

Economias vulneráveis estão submetidas a certas pressões ¿ indicou.

Para chanceler, Brasil não ficou isolado na decisão Amorim citou especificamente o caso do Líbano. E ainda considerou ¿estranho¿ que a Alemanha, país que não detém assento permanente no conselho, tenha participado da redação ¿pouco transparente¿ do texto das sanções. Mas o chanceler disse que o Brasil não ficou isolado no debate internacional.

E, mais uma vez, lembrou que o placar tão elástico está relacionado aos interesses específicos dos países com assento no Conselho.

¿ Não estamos isolados.

Estamos com outro país democrático (a Turquia), país com quem criou-se uma relação forte. Nos sentimos em muito boa companhia, e se houvesse preocupação com armamento nuclear, a Turquia seria o primeiro país que teria que se preocupar ¿ avaliou.

Criticando os países membros do conselho por não permitirem a entrada de outras nações ao grupo, Lula disse que eles não querem levar ninguém para sentar numa mesa e demo cratizar de verdade o Conselho de Segurança. Já Amorim tentou acalmar as especulações de que as relações entre o Brasil e os EUA seriam prejudicadas. As divergências com Washington, disse, são aspectos naturais das relações internacionais.

¿ Quero uma parceria estratégica com os Estados Unidos.

Se houver uma posição de subserviência, não será uma parceria estratégica, mas o alinhamento automático. Não conheço um país grande que não tenha tido discordâncias em relação aos Estados Unidos. Por exemplo: França e Rússia tiveram (divergências).

Temos de nos acostumar que somos um país grande ¿ afirmou ele, sem demonstrar preocupação com o acirramento das tensões