Título: Royalties e legitimidade
Autor: Mussi, Adrian
Fonte: O Globo, 10/06/2010, Opinião, p. 6

Dos 36 líderes partidários na Câmara e no Senado, segundo o site Congresso em Foco, nada menos que 11 respondem a processos no Supremo Tribunal Federal.

São réus em ações de crime contra a ordem pública, a ordem tributária, formação de quadrilha, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Ainda segundo o portal, 145 deputados e senadores, ou seja, 25% dos nossos dignos representantes enfrentam problemas com a Justiça.

Seria leviandade afirmar que todos os parlamentares em questão são indignos de representarem a sociedade no Congresso Nacional, uma vez que não foram condenados em instância definitiva.

É provável, até, que muitos sejam inocentes, vítimas de tramas políticas de seus adversários.

O direito da dúvida, no entanto, não deve estar abaixo das decisões tomadas por estes homens públicos, que afetam a vida de milhões de pessoas com um toque no painel de votações.

Ao contrário. Da mesma forma que o Judiciário dá aos seus magistrados a prerrogativa de suspeição àqueles que não querem fazer parte de um processo por questões pessoais, o Poder Legislativo deveria fazer o mesmo, sempre que estivessem em pauta mudanças na Constituição.

A Carta Magna de 1988 deveria estar protegida contra mutilações praticadas com o voto de políticos sem a grandeza daqueles que, como Ulysses Guimarães, participaram de um dos maiores momentos da História brasileira.

Em outras palavras, político fichasuja, no exercício do mandato, não deveria ter o direito de votar emendas constitucionais. Não se trata de criar políticos de primeira e segunda classe, mas tão somente evitar que a Carta Magna, fruto do trabalho intenso de nomes históricos da política brasileira, seja reescrita por mãos manchadas de tinta nas digitais.

Ocupar a tribuna para discursos os mais variados, conceder honrarias a personalidades que se destacam na sociedade, entre outras atividades inócuas, não interfere na vida do cidadão. Mas, quando essa turma se reúne, por exemplo, para pulverizar os royalties do petróleo em suas bases eleitorais afeta seriamente a vida de milhões de pessoas que vivem nos estados produtores.

Impedir a entrada de pessoas inidôneas na política é uma decisão que o Congresso Nacional aprovou com coragem, para benefício da democracia.

O Poder Legislativo deveria suspender qualquer votação de emenda constitucional na atual legislatura, inclusive a alteração nas regras dos royalties do petróleo.