Título: Empresas de fachada ajudam a driblar restrições
Autor: Becker, Jo
Fonte: O Globo, 09/06/2010, O Mundo, p. 37

Companhia de navegação iraniana cria subsidiárias e troca nomes de navios para importar tecnologia de uso militar

NOVA YORK. No dia 24 de janeiro de 2009, um navio com bandeira de Hong Kong ancorou no porto sul-africano de Durban. A parada não fazia parte da rota costumeira e durou apenas uma hora, o suficiente para pegar uma carga clandestina: uma lancha Bladerunner 51, que pode ser equipada com torpedos e usada como embarcação de ataque no Golfo Pérsico.

O nome pintado na lateral do navio ao deixar Durban e rumar para o porto iraniano de Bandar Abbas era Diplomat e seus documentos mostravam que ele pertencia à empresa Starry Shine Ltd. O nome e a procedência eram novos. Seis meses antes, o Diplomat era o iraniano Mufateh, parte da frota da estatal Islamic Republic of Iran Shipping Lines, conhecida como Irisl.

Um caminho tortuoso que leva a Teerã

Meses depois do episódio, o governo dos Estados Unidos revelou que a Irisl havia rebatizado o navio e aberto a Starry Shine para fugir do controle americano para evitar que o Irã obtenha tecnologia de uso militar. Naquele momento, no entanto, o navio já tinha outro nome: Amplify. Rastreado pela última vez em abril, em Karachi, no Paquistão, era operado por outra empresa. Mas somente no papel.

O Mufateh-Diplomat-Amplify é parte de um grande ato de desaparecimento na qual a Irisl, sob pressão americana e outras sanções, oculta a propriedade de seus navios numa rede de empresas de fachadas na Europa e na Ásia, mostra um levantamento do ¿New York Times¿.

Formadas em sua maior parte em 2008, após os EUA colocarem a Irisl e todos os seus navios numa lista negra, como aliados do programa nuclear e balístico iraniano, as empresas geralmente têm nomes em inglês, como System Wise (Sistema Sábio) e Great Method (Grande Método), no que parece uma zombaria da medida americana.

Entre as sanções que devem ser votadas pelo Conselho de Segurança várias se concentram na Irisl, acusada pela ONU de envolvimento em contrabando de armas. Mas o levantamento do ¿Times¿ mostra que o Irã tem usado uma série de estratagemas, mudando não apenas as bandeiras e nomes dos navios, mas também seus proprietários, operadores e administradores. Esse jogo de gato e rato mostra a dificuldade de impor sanções.

¿ Estamos lidando com pessoas que são tão inteligentes quanto nós, e naturalmente eles leem as nossas listas ¿ disse Stuart A. Levey, subsecretário do Tesouro americano que supervisiona os embargos.

Simplesmente não se consegue manter a lista negra. Dos 123 navios da Irisl, apenas 46 ainda são claramente propriedade da empresa ou de suas subsidiárias listadas. Quatro sumiram.

Os restantes ¿ 73 ¿ estão agora com empresas que não aparecem na lista. Essas firmas estão em lugares como Malta, Hong Kong, Chipre e Alemanha. Com exceção de dez casos, o ¿Times¿ conseguiu estabelecer ligações entre os novos proprietários dos navios e a Irisl.

As empresas são controladas ou abertas por funcionários da Irisl, ou pela própria estatal. A maior parte dos navios é operada ou administrada por três companhias iranianas que não são encontradas em seu endereço oficial, mas nos escritórios da Irisl em Teerã.

Consultor britânico é relacionado à companhia

O dono oficial do Amplify, por exemplo, é uma corporação de Hong Kong chamada Smart Day Holdings, que seria dirigida por uma companhia em Samoa e outra na Ilha de Man (entre Inglaterra e Escócia). A Shallon, a empresa localizada na Ilha de Man, é parte de uma rede implantada com a ajuda de Nigel Howard Malpass, um consultor de navegação britânico que trabalha com a Smart Day e empresas relacionadas a 43 navios previamente registrados pela Irisl.

¿ Eu já estive envolvido com a Irisl ¿ disse Malpass, acrescentando que abriu empresas a pedido da companhia e depois se afastou dela.

A Irisl, por sua vez, nega ajudar o programa militar e nuclear iraniano.