Título: Um assunto de família
Autor: Lima, António Almeida
Fonte: O Globo, 11/06/2010, Opinião, p. 7

O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas celebra-se anualmente a 10 de junho, data do falecimento do grande poeta da nossa língua. É, tradicionalmente, uma oportunidade para os portugueses espalhados pelo mundo celebrarem a sua pátria de origem, ou tão só a sua segunda pátria, para os que a adotaram mais tarde. Evocamos então, em especial, a história, a cultura e as conquistas humanas dos portugueses, bem como as suas tradições. Homenageamos nossos antepassados e ensinamos nossos filhos a respeitar as suas origens.

Portugal existe como Nação há quase 900 anos. As suas fronteiras estão definidas há mais de 700 anos. Começamos poucos, mas determinados a defender a nossa soberania e a mostrar a nossa vontade de estabelecer relações com outros povos. Ao longo dos séculos viajamos muito e fixamo-nos pelo mundo. Com maiores ou menores vicissitudes, erros (quem os não comete?) e sucessos, logramos estabelecer pontes humanas. Criamos no passado um dos impérios mais vastos e poderosos. Voltamos, entretanto, geograficamente, à dimensão europeia, que nos aproxima do original do nosso território. Mas estamos incomparavelmente mais enriquecidos nos planos cultural e social.

A nossa língua é falada oficialmente por oito países nos quatro cantos da terra, num total de cerca de 230 milhões de pessoas.

Não seremos mais a potência politica, econômica e militar de outrora, mas temos hoje uma presença humana vasta com a qual nos identificamos pelo idioma comum que é um dos mais falados em todo o mundo. Temos excelentes relações com todos os povos de fala portuguesa, para além de não termos, felizmente, inimigos entre nenhuma nação do globo.

Portugal deu no passado ao mundo, e continua a dar no presente, figuras de grande reconhecimento nas mais diversas áreas da atividade humana. Porque é oportuno, menciono apenas dois exemplos totalmente díspares, mas hoje igualmente conhecidos no Brasil: Santo Antônio, cuja data evocativa é 13 de junho, nascido, criado, ordenado em Lisboa no século XIII, encontrou a resposta mais empolgante e generosa do seu tempo no exemplo franciscano e por isso partiu para o mundo, para servir os outros, na pobreza, tornando-se o expoente da riqueza da oratória e de virtudes que seduzem até hoje tanta gente; o futebolista Cristiano Ronaldo, nascido pobre na Ilha da Madeira, é um exemplo mundial de excepcional profissional, competente e totalmente empenhado em servir bem o maior espectáculo da terra na atualidade.

São expoentes do Portugal de sempre: a determinação em enfrentar os desafios do seu tempo e, com as bases aprendidas na sua terra, partir ¿à conquista do mundo¿.

Como dizia Padre Vieira, ¿¿para nascer, Portugal; para morrer, o mundo. Para nascer, pouca terra, para morrer, toda a terra¿.

Toda a emigração é uma gesta de aventura, de desafio, de risco, de aposta no futuro, de combate contra as adversidades da vida. Cada emigrante é um lutador pela liberdade de realização individual. Porém, a história desses movimentos, pelo menos no que respeita aos portugueses do Rio de Janeiro, e não só, demonstra que ela foi também feita de exemplares solidariedades: as beneficências, as caixas de socorros, os hospitais, os lares, as misericórdias, as irmandades, as bibliotecas, os liceus etc. Essas obras provam que os emigrantes portugueses trouxeram, para além da sua força pessoal de vencer na vida, a forte convicção de que nada se consegue sem gestos generosos e continuados de auxílio mútuo. Dar para receber.

Dar mesmo, sem esperar nada receber em troca.

O Brasil conhece bem o contributo dos imigrantes portugueses para a construção desta grande Nação e está reconhecido por esse fato. Portugal agradece ao Brasil e está-lhe reconhecido por ter acolhido aqui os seus filhos e ter-lhes permitido realizarem os seus sonhos de um mundo maior e melhor. E hoje, diante das atuais dificuldades financeiras e econômicas em Portugal, que estamos certos serão temporárias, o exemplo desta acolhida brasileira ganha recordações familiares.

O presidente Lula afirmou em Portugal, em maio findo, que o Brasil está pronto a ajudar Portugal de novo, nesta fase. Agora, como sempre, o Brasil demonstra a profunda relação fraterna existente entre nós. A hora é também de os portugueses no Brasil reforçarem o apego às duas nações e ao aprofundamento da relação entre elas. A solidariedade é para nós um assunto de família, do mesmo sangue, porque este ¿é mais espesso do que a água¿.