Título: Lula: Quando há exagero, eu veto
Autor: Setti, Rennan ; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 11/06/2010, Economia, p. 27

Presidente reafirma a Cabral compromisso de não permitir perdas com royalties a Rio e ES

O Palácio do Planalto mantém o compromisso assumido há longa data com os governos fluminense e capixaba de vetar qualquer dispositivo que resulte em perdas para os estados produtores de petróleo, que têm direito constitucional a tratamento diferenciado na exploração da atividade. A garantia foi dada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em telefonema ontem pela manhã ao governador Sérgio Cabral, do Rio. O estado e suas cidades podem perder R$ 7 bilhões ao ano após a aprovação no Senado, na madrugada de ontem, por 41 a 28 votos, da Emenda Simon. Esta redistribui a renda do petróleo, inclusive das áreas já licitadas, entre as 27 unidades da Federação.

A sinalização de veto foi dada pelo próprio Lula, ao falar de forma genérica a uma rádio de Sergipe sobre seu procedimento usual em relação a projetos aprovados pelo Congresso: ¿ Quando há algum exagero, eu veto ¿ afirmou o presidente.

O recado foi repetido pelos emissários de Lula, como o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). Padilha disse que o Planalto acompanhará o debate na Câmara. Se a emenda avançar, ¿aí entra o presidente¿.

¿ O presidente sempre tem uma conduta naquilo que pode ser exagero, desrespeito ao contrato, aquilo que possa comprometer a responsabilidade fiscal do país, e ele sempre tem a conduta de usar todos os instrumentos que lhe cabem para manter essas condições no país ¿ disse Padilha, para quem ficou claro que há ¿um clima eleitoral¿, cujos efeitos negativos não serão permitidos pelo governo.

Cabral não irá à convenção do PMDB

Os discursos foram cuidadosamente ensaiados, em uma articulação que durou a manhã inteira. Cabral falou várias vezes com o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, além do presidente. Cabral disse ter ¿alguma esperança de que a Câmara reveja o que havia feito antes¿, mas conta com o veto de Lula.

¿ O presidente Lula me garantiu que o que vale é o acordado entre mim e ele no CCBB (sede provisória do governo) há alguns meses ¿ disse Cabral, referindo-se à reunião de agosto do ano passado em que Lula cedeu às reivindicações dos estados produtores sobre o pré-sal. ¿ Espero que o presidente vete. É uma covardia contra o povo do Rio. É uma demagogia o que esses senadores fizeram. Quem acha que vai ganhar voto está equivocado. A população brasileira não tem apreço por esse tipo de conduta.

¿ É importante que o Brasil saiba que o caminho que defendo é a partilha da riqueza do pré-sal para todo o país. Mas precisamos nos distanciar da emoção eleitoral. Não podemos rasgar contratos, ignorar direitos dos estados produtores e as prerrogativas constitucionais ¿ disse, por sua vez, Hartung ao GLOBO.

Cabral disse que só irá ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso um possível veto de Lula seja derrubado no Congresso. Ele se disse decepcionado com o senador Pedro Simon. E afirmou que nem ele nem Hartung irão à convenção nacional do PMDB, que acontece amanhã em Brasília.

¿ Causou-me enorme frustração ver um homem público tão digno, tão querido do Rio e meu amigo, ser autor de uma emenda tão inconstitucional, ilegal e aviltante aos direitos do princípio federativo. Não me sinto à vontade para ir à convenção porque não senti solidariedade com o meu estado de uma parte do PMDB. Mais importante do que ser do PMDB é representar o povo do Rio ¿ disse.

Para o governador, há ¿uma bravata patriótica¿ contra o Rio e uma manobra eleitoreira que ¿joga o estado aos leões¿. O projeto que trata da capitalização da Petrobras foi aprovado na mesma sessão de ontem: ¿ Estão sacrificando o estado do Rio para capitalizar a Petrobras. A Petrobras não é mais importante do que os 16 milhões de habitantes do Rio e os cinco milhões do Espírito Santo.

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, também criticou o senador Simon e a aprovação da emenda: ¿ A madrugada não é o horário mais adequado para as pessoas movidas pela ética agirem.

Por trás das declarações oficiais contrárias à aprovação da Emenda Simon, os governadores e estrategistas dos estados produtores consideram que politicamente a situação melhorou e ficará mais fácil costurar o veto presidencial.

Se a discussão anterior colocava os estados produtores (Rio, Espírito Santo e São Paulo) em posição oposta aos demais, a Emenda Simon incluiu a União nesta contenda.

A expectativa é que o governo federal assuma uma posição e não concorde em perder essa receita.

¿ Facilitou. A bola passou para o governo federal ¿ disse uma autoridade ligada à discussão.

Ainda assim, não é o melhor negócio para os produtores, pois não há garantia firme de compensação.

Por exemplo, não fica claro qual o prazo para ressarcimento.

Governador retira reajuste estadual

A estratégia é tratar o tema com cautela política, dando ênfase ao questionamento jurídico e não ao enfrentamento com as demais bancadas, enfatizando sempre que todos os estados ganharão com o pré-sal.

¿ Com o veto e passado o período eleitoral, poderemos sentar numa mesa redonda e construir um caminho entre o governo federal, os estados produtores e as outras unidades da federação ¿ disse Hartung.

Além disso, com o veto instruído, a ordem é encaminhar a votação na Câmara o quanto antes. O projeto voltou para os deputados por ter sido modificado no Senado. Em rápida articulação, ainda pela manhã o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), disse que os projetos do pré-sal podem ser votados em sessão extraordinária na próxima terça-feira, dia 15, mesmo com a pauta trancada por cinco medidas provisórias.

A oposição prometeu dificultar ao máximo a estratégia, concentrando esforços na chamada emenda 29, que fixa critérios para a destinação de recursos orçamentários à área da Saúde, elevando-os.

¿ A estratégia é obstrução geral ¿ afirmou o líder do DEM, Paulo Bornhausen (BA).

Já o governador Cabral retirou dez mensagens enviadas ao legislativo estadual para reajustar os salários de cerca de 15 categorias de servidores, inclusive os da área de educação, enquanto não houver o veto à emenda.

Os únicos poupados foram os funcionários da segurança pública. A decisão causou discussão na Assembléia Legislativa. Parlamentares de oposição criticaram, alegando que os funcionários públicos não podem pagar pela perda dos royalties