Título: Reformas pequenas e grandes
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 21/06/2009, Política, p. 8

Nas eleições, a lista do que não pode ser feito pelos candidatos, suas campanhas e os profissionais que nelas trabalham, é impressionante. As regras são draconianas e se aplicam a tudo

A legislatura que termina ano que vem é das que menos saudade vai deixar. Já tivemos outras que pouco fizeram, mas essa arrisca ser a campeã de inoperância. Somada à sua sempre extraordinária capacidade de gerar escândalos, o resultado é tão ruim que só nos resta torcer para que a próxima seja melhor.

Da atual, quase nada podemos esperar. Quem fez o que ela fez em três anos, dificilmente fará melhor nos meses que nos separam de março/abril de 2010, quando o Congresso vai, a bem dizer, suspender seus trabalhos, com a maior parte dos deputados e senadores indo brigar pela reeleição.

Uma das dívidas mais incômodas que ficarão é a da reforma política, a que não foi feita. É verdade que o Executivo tem parte grande da culpa por isso, pois poderia ter mobilizado seus vastos recursos para fazer com que ela andasse. Como, no entanto, Lula nunca se interessou verdadeiramente por ela, juntou-se a falta de ação de uns com a pouca motivação de outros. Não fizemos nada.

Por isso, chega a ser surpreendente que uma pequena, mas muito relevante, proposta de reforma nas regras eleitorais esteja, ao que parece, perto de ser aprovada. Se for, será um passo significativo de modernização do sistema que criamos após o fim do autoritarismo.

Cheio de boas intenções, o modelo vigente parece desconfiar de todo mundo. A prática política é objeto de tantas restrições e limitações que ninguém sabe como ela chega a ser possível. Nas eleições, a lista do que não pode ser feito pelos candidatos, suas campanhas e os profissionais que nelas trabalham, é impressionante. As regras são draconianas e se aplicam a tudo.

Uma das consequencias desse excesso de proibições é o freqüente desrespeito ao que elas prescrevem. Como muitas são absurdas e outras inaplicáveis, as pessoas fingem que as obedecem e fica tudo por isso mesmo.

Uma das ficções mais difundidas é sobre o período de campanha. Embora vivamos, como nas modernas democracias, quase que em ¿campanha eleitoral permanente¿, nossa legislação cultiva a fantasia de que ela é limitada aos 90 dias que antecedem as eleições. Na lei, antes de julho do ano eleitoral, nada se pode fazer em matéria de campanha. Na realidade, os partidos e os candidatos se movimentam com total sem cerimônia. Basta ver o que o Presidente faz com sua candidata.

Tramita atualmente na Câmara uma proposta de ¿minireforma eleitoral¿, de autoria do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que tem o mérito de reconhecer que está na hora de acabar com essa ficção. É uma proposta que inclui várias outras sugestões, que ninguém acredita que serão aprovadas. Mas, nesse aspecto, parece que tem chances reais de ser discutida e votada ainda em tempo de entrar em vigor para as eleições de 2010.

Ela é boa, em geral, e muito boa em uma dimensão de imenso impacto futuro: ela mexe, pela primeira vez com compreensão, no uso da internet nas campanhas.

Nesse assunto, nossa legislação eleitoral se superou em sua mania de controle. Em 2008, imaginou que poderia disciplinar a internet, inspirada pelo desejo (até louvável) de garantir maior equanimidade entre os candidatos. Para evitar que poucos tivessem muito acesso à rede, proibiu tudo: nenhum candidato podia usar a internet, a não ser através de páginas ¿oficiais¿. Quando percebeu que o esforço era inócuo e contraproducente, recuou.

Na proposta em tramitação, acaba-se com anacronismos como esse. Já em 2010, os candidatos poderão fazer como se faz em qualquer país contemporâneo, aproveitando tudo da internet para dialogar com os eleitores e difundir suas mensagens. Páginas pessoais, sites de relacionamento e vídeos poderão ser usados, sem restrições.

O melhor disso é a possibilidade que a discussão abre. O modelo atual, cheio de controles, se funda em uma visão preconceituosa do povo, que o vê como um ente que precisa sempre da proteção benevolente de alguém que se julga superior.

Quem sabe não estamos aposentando essa visão, reconhecendo que o eleitor é perfeitamente capaz de saber o que quer e tem direito a ser tratado como um adulto com discernimento?