Título: Irã ameaça fechar porta à AIEA
Autor: Martins, Marília
Fonte: O Globo, 11/06/2010, O Mundo, p. 34

EUA e UE estudam mais restrições ao país, mas Rússia mantém contrato de mísseis

Um dia depois de aprovadas as novas sanções contra o Irã no Conselho de Segurança da ONU, as possibilidades de que o acordo negociado por Brasil e Turquia com Teerã ainda esteja de pé ficaram mais remotas. O chefe da Comissão de Segurança Nacional do Parlamento iraniano, Alaeddin Boroujerdi, ameaçou ontem afastar seu país progressivamente da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e fecharse ainda mais à exigência de inspeção das usinas nucleares. O Irã pretende aprovar no domingo no Congresso a redução dos contatos com a agência da ONU, que hoje mantém inspetores na usina de Natanz e que exige notificação prévia sobre todas as novas construções de usinas iranianas e o número de suas centrífugas.

Em fevereiro, Teerã anunciou os planos de construir dez novas usinas, sendo duas delas nos próximos dois anos. Hoje, há 164 centrífugas iranianas que passam por inspeções periódicas da AIEA. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Ramin Mehmanparast, classificou as sanções da ONU de ilegais e acusou a União Europeia de, como os EUA, ¿ter dois pesos e duas medidas¿.

O Conselho de Segurança espera que a nova resolução abra um caminho legal para que os países adotem sanções unilaterais contra o Irã, mas ainda é incerto como funcionarão. Para que a resolução fosse aprovada, interesses de China e Rússia, tradicionais aliados do Irã, tiveram de ser levados em conta. Embora criticada pelo Irã, a China afirmou que as novas restrições não fecham a porta a uma solução diplomática, enquanto a Turquia garantiu que continuará a buscar negociações junto com o Brasil.

¿ Nós não iríamos participar de tal erro porque a História não nos perdoaria ¿ disse o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, na reunião da Liga Árabe, referindo-se à votação contrária à resolução

Boicote a empresas de energia

Apesar da pressão americana para sanções unilaterais, o Ministério do Exterior russo afirmou que a resolução não obriga Moscou a cancelar um acordo para a venda de mísseis terraar ¿ embora mais cedo anunciasse que a entrega dos S-300 estivesse suspensa ¿ e que continua de pé a negociação para a construção de novas usinas nucleares no Irã.

¿ Armas de defesa aérea, com exceção de sistema de mísseis portáteis, não estão incluídas no armamento convencional mencionado na resolução ¿ explicou Andrei Nesterenko, porta-voz do Ministério do Exterior.

O Paquistão também anunciou que um projeto de US$ 7,6 bilhões que exportaria gás iraniano ao país não será afetado.

Depois que o secretário da Defesa americano, Robert Gates, declarou que ¿a aprovação de sanções na ONU serve como suporte legal para novas sanções unilaterais a serem aprovadas nos EUA e em países da União Europeia¿, congressistas americanos já se movimentam para ampliar as medidas financeiras contra Teerã. O presidente da Comissão de Finanças do Senado, Chris Dodd, e o líder da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes, Howard Berman, já iniciaram uma parceria para uma proposta conjunta de ampliação unilateral das sanções. O texto deve ser finalizado até 20 de junho, depois do encontro da União Europeia.

¿ Aplaudimos a iniciativa do governo Obama em aprovar sanções na ONU e vamos complementar com medidas unilaterais adicionais depois do debate pela União Europeia, aumentando seu alcance na medida do possível.

Esperamos aprovar o texto até o fim de junho ¿ disse Dodd.

Entre as medidas estão o boicote americano a todas as empresas de energia e instituições financeiras iranianas, sanções que foram retiradas do texto da ONU a pedido da Rússia e da China. A previsão é que os projetos sejam votados ainda este mês, para serem apresentados para sanção presidencial antes do recesso parlamentar, que começa em 4 de julho. Além disto, as regras de boicote devem ser extremamente rigorosas para companhias que atuem nas áreas de refino de petróleo, uma vez que o Irã exporta óleo bruto e importa derivados de petróleo, e para seguradoras, especialmente de transporte de cargas.

Da lista de 40 empresas que foram alvo da resolução da ONU, a mais poderosa é a Khatam al-Anbiya (KAA).

Trata-se de um conglomerado com 812 companhias subsidiárias, responsável por contratos bilionários que vão da construção da usina de Qom aos campos de exploração de petróleo e gás do Golfo Pérsico.

Rússia e China são países imediatamente afetados pela inclusão da KAA na lista: ambos têm empresas que negociam com o conglomerado iraniano.

No setor de seguros, o impacto será grande: firmas que enviam cargas para o Irã devem passar a pagar mais do que o dobro das tarifas atuais, depois que a ONU passou a prever revistas de transportes de carga rumo a portos e aeroportos iranianos. O Departamento do Tesouro dos EUA, que estuda o impacto das sanções, estima que a KAA tenha 40 mil empregados e mais de 1.700 contratos com o governo iraniano, incluindo a construção de um gasoduto de US$ 3 bilhões.

Já a União Europeia prevê debater de sanções adicionais ao Irã no próximo encontro de cúpula, no dia 16 de junho, em Bruxelas. Defendem o aumento de restrições principalmente França, Alemanha e Reino Unido, mas divergem quanto às medidas. Caso sejam aprovadas restrições adicionais a negócios de petróleo na Europa, uma das empresas atingidas seria a Shell, que no mês passado entregou 30 mil toneladas de gasolina no porto iraniano de Bandar Abbas e é uma fornecedora de derivados de petróleo ao Irã.

As restrições adicionais da UE incluiriam bancos e seguradoras, além de mais unidades da estatal de navegação iraniana Irisl. Estas empresas poderiam ter os bens congelados nos países integrantes do bloco