Título: Brasília e Washington minimizam arranhão nas relações bilaterais
Autor: Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 11/06/2010, O Mundo, p. 35

Amorim critica Conselho de Segurança por ignorar opinião de emergentes

BRASÍLIA e WASHINGTON. A aliança turco-brasileira acerca da política nuclear iraniana deve provocar um desaquecimento nas relações entre Brasil e Estados Unidos, sobretudo na área comercial. Segundo altos funcionários do governo brasileiro, a expectativa é que o Congresso americano ¿ que sempre teve forte viés protecionista ¿ dificulte ainda mais as demandas pela maior abertura de mercado e pela redução dos subsídios. Mas, apesar do arranhão nas relações, em Brasília acredita-se que as relações com Washington voltarão em breve ao mesmo patamar de antes.

¿ Temos a sensação de que cumprimos nosso dever. O saldo é positivo, pois fizemos o que EUA e França não conseguiram (um acordo com o Irã) ¿ resumiu um diplomata.

Divergências serão mais frequentes, dizem analistas Em entrevista ao vivo à rádio estatal americana NPR (National Public Radio), o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou ontem que não guarda ressentimento em relação aos EUA e que o país mantém ¿ótimas relações¿ com o Brasil. O ministro, no entanto, voltou a criticar os métodos usados por membros permanentes do Conselho de Segurança que, em sua opinião, reúnemse a portas fechadas, sem dar espaço a uma discussão política e onde decisões são tomadas sem a participação das nações em desenvolvimento.

¿ Não foi dado tempo ao diálogo ¿ lamentou Amorim.

Questionado sobre a possibilidade de o governo do Irã colaborar para um entendimento a partir de agora, o ministro afirmou desconhecer o que virá no futuro.

¿ Hoje minha resposta é: não sei. As sanções, certamente, não foram um movimento que vá ajudar ¿ sentenciou.

Tentando desfazer possíveis abalos diplomáticos, em São Paulo, o embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, afirmou que o Brasil agiu de boa-fé ao apoiar o Irã e votar contra as sanções, e garantiu que o episódio não terá efeito nas relações bilaterais.

¿ Quando dois países grandes começam a andar juntos, é natural que tenham divergências ¿ minimizou. ¿ O presidente Obama reconhece que o Brasil tem um papel importante e valoriza o esforço para continuarmos a trabalhar juntos ¿ garantiu o embaixador.

O diplomata lembrou que as sanções aprovadas pela ONU visam fazer o governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad entender que é preciso seguir as normas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Para Shannon, o apoio demonstrado por outros países à resolução prova que, assim como os EUA, todos querem que o Irã ponha fim a seu programa nuclear.

Em Washington, apesar de lembrarem que Brasil e Estados Unidos já travaram batalhas mais sérias ¿ como na disputa do algodão na Organização Mundial de Comércio ¿ analistas ainda duvidam das intenções brasileiras. O presidente do centro de análise política Inter-American Dialogue, Michael Shifter, acredita que o presidente Barack Obama foi ingênuo ao se referir ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva como o melhor amigo dos EUA.

Ele reafirma que o Brasil é um ator global importante ¿ com uma política externa cada vez mais independente ¿ e prevê novos confrontos no futuro.

¿ No futuro será assim, haverá discordâncias em outros temas. É claro que, em relação às expectativas iniciais, foi um desapontamento para ambos.

O Irã é um tema sensível, mas a agenda da relação é muito maior do que isso e ainda há muitos pontos de concordância ¿ advertiu Shifter