Título: Brasil procura saída para manter exportações
Autor: Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 11/06/2010, O Mundo, p. 35

Com as sanções ao Irã, governo vai reavaliar negócios entre os dois países e apostar na venda de alimentos

BRASÍLIA. Apesar da determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de estreitar os laços comerciais com o Irã, os empresários brasileiros deverão enfrentar dificuldades para vender produtos diretamente à nação islâmica, e levar adiante o projeto de tornar o Irã um potencial comprador de etanol brasileiro. Com as sanções aplicadas na quartafeira pelo Conselho de Segurança da ONU, os técnicos do governo terão que reavaliar a perspectiva de crescimento das exportações, que chegou a 50% no primeiro semestre.

A saída, apontada por especialistas, é a elevação das operações de triangulação ¿ usando alternativas como Dubai para fazer com que os produtos cheguem ao país ¿ e apostar na venda de carne e produtos alimentícios, principais itens da pauta de exportações.

Os problemas para as empresas do Brasil se revelam com o bloqueio das transações de 40 empresas e bancos iranianos que, segundo o Conselho de Segurança, financiam o programa nuclear. Com esses bancos fora do páreo, a tomada de crédito fica ainda mais restrita. A inspeção de navios e aviões considerados suspeitos também entra na lista de dificuldades para os acordos comerciais.

Sanções poderão complicar formas de pagamento Hoje, as vendas ao Irã representam apenas 0,8% do total de exportações brasileiras, atingindo R$ 1,2 bilhão em 2009. Os números fizeram com que o governo lançasse, em abril, a maior ofensiva comercial da História entre os dois países, levando ao país 86 empresários de 12 setores.

Antes das sanções, as exportações tiveram um salto de 59% entre janeiro e maio, na comparação com o mesmo período do ano passado. Agora, de acordo com o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Welber Barral, é preciso esperar pelo texto da resolução.

¿ Os produtos brasileiros não estão contemplados pelas sanções, mas poderão ser afetados pelas restrições de crédito aos bancos iranianos. As sanções poderão complicar os mecanismos de pagamento. Será preciso reavaliar ¿ admite.

O principal temor, no entanto, é perder o mercado potencial de etanol, num país com 70 milhões de habitantes. Os EUA já advertiram que o álcool entra na relação direta com os investimentos do programa nuclear do Irã. Eles consideram esse produto um ponto de risco. Diversas empresas brasileiras foram a Teerã na expectativa de abrir portas nesse setor. Agora, entrarão em compasso de espera.

¿ Nos próximos dois meses nada deve acontecer, nenhuma posição arriscada deve ser adotada.

Além do etanol, os investimentos em infraestrutura deverão ser os mais afetados ¿ acredita o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro.

A posição brasileira não se justifica apenas pela política. Em relatório reservado do governo, negociadores diagnosticaram três vantagens competitivas em relação a outros países que buscam negócios no Irã: política externa independente, disposição para dar credibilidade à política externa de Teerã e a produção dos principais produtos demandados pelos iranianos.

Mais exportações de alimentos após sanções Esse trinômio levou ontem o ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, a visualizar oportunidades com as novas restrições.

¿ Ao contrário do que possa parecer, nós não temos uma dificuldade, mas uma oportunidade de aumentar as exportações.

Vários países vão se retrair com a questão das sanções. Temos a possibilidade de ampliar as exportações de alimentos ¿ disse em entrevista ao programa Café com o ministro.

Quase 90% das vendas do Brasil para o Irã são de produtos básicos. O carro chefe é o mercado de carnes bovinas, que responde sozinho por 40% das vendas. Para o presidente da AEB, Márcio Scalercio, chegou a hora do Irã agradecer o empenho do Brasil.

¿ Eles devem nos dar preferência.

O Brasil ajudou muito.

Na avaliação dos analistas, tanto do governo como da iniciativa privada, a principal questão em aberto é sobre como os EUA vão proceder na hora de aplicar as sanções. Além das restrições de crédito aos bancos do país, é quase certo que as empresas com sede nos EUA ou negócios com os americanos tenham enormes dificuldades de continuar suas operações