Título: A segunda chance do candidato
Autor: Freire , Flávio
Fonte: O Globo, 12/06/2010, O País, p. 14

SÃO PAULO. O tucano José Serra entra hoje oficialmente na campanha presidencial com um olho no passado e outro no futuro. Nos dois casos, enxerga o PT no horizonte. Oito anos depois da derrota de 2002 para Lula, ele volta a ser a antítese do PT ¿ mas os dois lados estão diferentes. Quando sair hoje da convenção do PSDB, terá como adversária Dilma Rousseff, uma novata em corridas eleitorais impulsionada pela popularidade do presidente Lula. Serra continua marcando posição como um homem determinado a alcançar seus objetivos.

Ao mesmo tempo, tem adotado um discurso às vezes conciliador, sem ataques diretos ao governo Lula.

As diferenças se estendem até mesmo à forma física. Ele emagreceu dez quilos desde 2002. E ganhou experiência.

Foi eleito prefeito e depois governador de São Paulo. Aos 68 anos, casado, pai de dois filhos, três netos, Serra já tinha no currículo participações na política nacional como deputado, senador e ministro, em duas ocasiões. Foi presidente nacional do PSDB, e hoje seu nome é uma referência dentro do partido. Num ponto crucial dessa trajetória, apostou no discurso do medo para tentar frear a campanha galopante de Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, ele procurou fortalecer suas alianças políticas antes de subir novamente ao palanque.

Exigiu apoio irrestrito e soma de esforços. Queria ser ungido. Resumo da história: o ex-governador mineiro Aécio Neves, seu adversário na disputa para ser candidato pelo PSDB, desistiu.

Em compensação, recusou-se a assumir o posto de vice ¿ e a aliança PSDB-DEM ainda não anunciou quem ocupará a vaga.

Tucano quer chegar aos eleitores jovens

Como retribuição pelo apoio de seus correligionários, Serra, citado como uma pessoa centralizadora, prometeu que ouviria mais os aliados e a própria direção do partido, incluindo marqueteiros, amigos e assessores diretos.

Reconhecido como um político com sensibilidade para mexer no tabuleiro eleitoral, Serra estaria até com mais jogo de cintura. Chegou a gravar ao lado de uma apresentadora de programa humorístico uma dança em que os passinhos denunciavam a sua pouca (ou quase nenhuma) intimidade com o molejo ou o ritmo do ¿rebolation¿, mais apropriado para quem quer conquistar a Bahia, terceiro maior colégio eleitoral do país. Ainda assim, mesmo em frente às câmeras, lá estava ele, sorrindo e procurando fazer graça.

Tentando deixar de lado a sisudez que marcou sua trajetória nos últimos anos, o tucano entra na disputa com intenção de renovar sua imagem. Serra quer se aproximar do eleitor, principalmente dos jovens. É um usuário assíduo do microblog Twitter, onde contabiliza mais de 250 mil seguidores. Para essa turma, ele relata detalhes de sua rotina, como, por exemplo, uma visita ao consultório do dentista. O tucano se habituou a falar de tudo, o que faz ou pensa, nos 140 caracteres disponíveis para cada mensagem do Twitter.

De frente para o computador, sempre durante a madrugada, dá dicas de música, de teatro, fala do Palmeiras, paparica os netos, agradece apoio e cita suas realizações no governo de São Paulo. Por conta do vício na internet, chegou a brincar que assumiria sua candidatura presidencial numa tuitada.

Mas preferiu falar sobre o assunto em um programa popular de TV.

¿ Ele não só sabe usar muito bem a ferramenta da internet como se diverte, e isso é muito bom ¿ chegou a analisar o publicitário responsável pela campanha, Luiz Gonzalez, que novamente volta a dirigir Serra em frente à TV.

No PSDB, colegas apostam no currículo de Serra e também em sua capacidade de surpreender os eleitores.

¿ O Serra é um homem antenado com o seu tempo, e o eleitor percebe isso ¿ avalia, de forma comedida, o ex-governador Geraldo Alckmin, que mostrou as garras para o próprio Serra quando decidiu que também queria ser candidato à Presidência, em 2006.

No processo desgastante, Alckmin levou a melhor e Serra partiu para nova empreitada, e elegeu-se governador de São Paulo numa disputa polarizada com Aloizio Mercadante. Foi mais uma deixa para o tucano retomar a artilharia contra o PT, reforçando a ideia de que estava pronto para novo embate no campo nacional.

Diante de um novo embate, desta vez com Aécio Neves, Serra hesitou (pelo menos, publicamente). Chegou a dizer que permaneceria no governo de São Paulo, mas prevaleceu seu antigo projeto: chegar à Presidência.

¿ Se for eleito¿se for eleito¿se for eleito ¿ repete ele nas inúmeras entrevistas, que passou a dar neste ano eleitoral.

Em todas, fez questão de lançar seu currículo para colocar em pauta a comparação com a principal adversária, Dilma Rousseff, do PT. Lembra ter entrado para a política pelo movimento estudantil, no início dos anos 1960, quando foi presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) e, em seguida, da União Nacional dos Estudantes (UNE). Volta ao passado para lembrar do exílio na França e no Chile, país onde se casou e teve seus dois filhos. Mas é no papel de integrante do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que o tucano faz questão de lembrar de suas iniciativas.

No Ministério da Saúde, melhorou o programa de combate à Aids, que se tornou referência para vários países a partir da distribuição dos medicamentos do coquetel. Deflagrou uma campanha antitabagista, que proibiu a propaganda do produto e expôs nos maços de cigarro fotos de fumantes em estado terminal.

Durante a pré-campanha, Serra lançou o slogan ¿O Brasil pode mais¿, como forma de evitar a personalização da disputa. Em avaliações para amigos próximos, ele acredita em um desgaste do PT como sigla, apesar da popularidade de Lula. E, em sua própria coligação, precisa aparar as arestas existentes.

A mais urgente: a definição de um nome para ocupar a vaga de candidato a vice-presidente