Título: Reforma inevitável na Previdência
Autor:
Fonte: O Globo, 17/06/2010, Opinião, p. 6

Sob pressão de um déficit crescente, o governo federal, tanto na administração de Fernando Henrique Cardoso como na do presidente Lula, tentou promover reformas no sistema previdenciário brasileiro. Alguns avanços foram obtidos ¿ especialmente no que se refere aos servidores públicos ¿ mas as reformas na verdade foram capengas, pois para aprová-las seria preciso maioria qualificada de três quintos na Câmara e no Senado; o Congresso não deu o respaldo político necessário às mudanças, preferindo se render a pressões corporativas.

O pior é que, desde essas tímidas reformas, houve um retrocesso no Congresso.

Os parlamentares não só resistem a reformas como se mostram cada vez mais inclinados a desfazer os avanços que ocorreram a duras penas.

Nem mesmo o déficit que ameaça chegar a R$ 50 bilhões este ano sensibiliza sena dores e deputados. Por comodidade, vários dizem acreditar que esse déficit, embora concreto (pois obriga o Tesouro Nacional a cobrir a diferença de caixa do INSS mensalmente), seria apenas contábil. Se consideradas as receitas da Cofins, tal déficit diminuiria consideravelmente, como se essa arrecadação não servisse para custear outras despesas importantes (saúde, por exemplo).

Ao ignorarem um déficit com tamanha dimensão, senadores e deputados, com aval do presidente Lula, não se sentem incomodados em aumentar as despesas do sistema previdenciário oficial, como a que estabeleceu aumentos reais para aposentadorias e pensão.

A lei garante que esses benefícios sejam atualizados monetariamente, acompanhando a inflação, mas não prevê aumentos reais (e nem poderia, pois as contribuições para o INSS não embutem essa hipótese em seu cálculo).

Há uma corrente de parlamentares, que se amplia a cada dia, propondo que os aumentos reais virem uma regra perm a n e n t e ¿ a o s re a j u s t e s anuais se acrescentaria um percentual proporcional à variação do Produto Interno Bruto em anos anteriores, como já acontece com o salário mínimo, que, por sua vez, favorece todos os que recebem o piso previdenciário.

No clima de contrarreforma, o Congresso aprovou também o fim do fator previdenciário, único atenuante ao fato de não existir uma idade mínima para os que se aposentam por tempo de contribui ção (o que estimula aposentadorias precoces).

O presidente Lula vetou o fim do fator previdenciário, mas sancionou o aumento real.

Para sorte do país, provavelmente a atual legislatura não terá mais tempo para prosseguir na contrarreforma. O próprio governo alimentou esse ambiente, ao generalizar benesses sob o rótulo de programas sociais de transferência de renda, misturando iniciativas válidas com outras absolutamente demagógicas. Resta a esperança que o próximo governo e a nova legislatura, que vão herdar uma situação fiscal nada confortável, se espelhem no que vem ocorrendo no resto do mundo, onde diversas nações, de economias ricas, obrigadas a atacar o déficit público, estão adotando medidas que buscam compatibilizar os sistemas previdenciários à expectativa média de vida de suas populações. O Brasil não escapará de mudanças semelhantes