Título: Código Florestal provoca bate-boca na Câmara
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 09/06/2010, O País, p. 15
Aldo Rebelo, relator do projeto que muda a lei ambiental brasileira, é interpelado por deputados de oposição
BRASÍLIA. Em clima de tensão, com direito até a bate-boca entre parlamentares no plenário lotado, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) leu ontem na comissão especial da Câmara 52 das 274 páginas de seu relatório propondo mudanças no Código Florestal brasileiro. Os partidos decidiram que a leitura do relatório será concluída hoje, mas não haverá votação. O ponto que mais causou reação foi a diminuição nos limites das Áreas de Preservação Permanente (APPs), como margens de rios e encostas.
Pela legislação atual, de 1965, a faixa mínima que tem que ser destinada à preservação é de 30 metros nos dois lados dos rios. A proposta do relator é que esse limite caia para 15 metros em rios com menos de cinco metros de largura. O texto ainda dá aos estados a autonomia para adequar essas áreas, diminuindo os limites mínimos em mais 50%. Na prática, rios pequenos poderão ter uma faixa de mata nativa de apenas 7,5 metros.
Os ambientalistas reagiram ao relatório. O líder do PV, deputado Edson Duarte (BA), disse temer que as mudanças provoquem mais desmatamento e levem a um embargo internacional à produção brasileira.
- O relatório permite as conveniências locais. Com essa flexibilização, vamos aumentar o desmatamento da Amazônia, da Mata Atlântica e do cerrado. Esse tiro pode sair pela culatra. Se a intenção é aumentar a produção, o Brasil não terá para quem vender - disse Duarte.
- Depois que Santa Catarina diminuiu a APP de 30 metros para 5 metros, veio a maldição da lei. Nunca tinha ocorrido tanto deslizamento, tanta morte quanto depois dessa mudança na lei - criticou o diretor de Campanhas do Greenpeace, Sérgio Leitão.
A temperatura se manteve elevada durante toda a sessão, que começou com um bate-boca entre o vice-líder do PSDB, deputado Ricardo Trípoli (SP), e Aldo. No meio da introdução a seu relatório, Aldo foi interrompido pelo colega, que pediu a palavra. O presidente da Comissão, Moacir Micheletto (PMDB-PR), negou o pedido, e o clima se acirrou. Levantando a voz, Aldo disse que já havia começado a ler o relatório.
- O senhor vai gritar na sua casa - reclamou Trípoli, reclamando que a oposição não tinha a chance de se manifestar.
Mais tarde, ao final da sessão, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) também discutiu com Aldo e chegou a botar o dedo no rosto do colega. Desta vez, o problema foi uma confusão sobre a suspensão ou encerramento da sessão. Deputados da oposição reclamaram que não tiveram acesso ao texto com antecedência, e que os governistas já o tinham desde a segunda-feira.
Percentual de reserva legal também provoca debate
Outro ponto que causou reações foi o que estabelece que fazendas pequenas, com até quatro módulos fiscais, fiquem desobrigadas de manter a reserva legal (percentual que todo proprietário tem de deixar dentro de sua terra para conservação). Aldo argumentou que 90% das 5,2 milhões de propriedades rurais brasileiras não cumprem essa exigência.
O relatório de Aldo inclui poemas, citações de livros como "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, e do estudioso Thomas Malthus, que desenvolveu a famosa teoria populacional versus produção de alimentos. Em certo momento, quando defendia a manutenção de gado no Pantanal, Aldo chegou a dizer que o boi talvez seja o animal de estimação mais querido do Brasil, lembrando do bumba-meu-boi e do "boi mansinho criado por Padrinho Cícero".
No fundo do plenário, ativistas do Greenpeace e de outras ONGs ambientalistas, como Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e ISA (Instituto Sócio Ambiental), riram com ironia.