Título: Em alta há 6 anos e meio, consumo esfria
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 09/06/2010, Economia, p. 29

Gastos das famílias brasileiras cresceram só 1,5%, depois de avançar até 2,9% em 2009

PEDRO de Alcântara: "se Deus quiser, vou continuar comprando"

Henrique Gomes Batista, Cássia Almeida e Rennan Setti

Grande responsável pelo crescimento de anos anteriores e por amenizar a recessão de 2009, o consumo das famílias pisou no freio no primeiro trimestre deste ano. O avanço foi de só 1,5%, na comparação com os últimos três meses do ano passado. No quarto trimestre de 2009, a taxa fora de 2,1%; nos três meses anteriores, de 2,5%, e no início do ano passado, de 2,9%. Esta perda de vigor indica, segundo economistas, uma menor pressão inflacionária daqui para frente.

- O consumo das famílias desacelerou, mas não chegou a ficar negativo, em parte porque o crédito também desacelerou. E os serviços foram bem menos afetado pela crise que a indústria. O consumo está positivo há 26 trimestres consecutivos, ou seja, seis anos e meio - disse Rebeca Palis, gerente de contas nacionais trimestrais do IBGE

Copa ajuda nas vendas do comércio no 2º trimestre

Os analistas preveem que, daqui para frente, o consumo perderá ainda mais fôlego. Segundo João Gomes, coordenador do núcleo econômico da Fecomércio-RJ, o setor já espera uma acomodação, principalmente no segundo semestre:

- Já estamos vendo uma redução no consumo de bens duráveis. O segundo trimestre será bom principalmente por causa da Copa, mas depois acreditamos que os consumidores passarão por um momento de freio nas compras - disse Gomes.

O advogado Pedro de Alcântara aproveitou o momento da economia para mobiliar o apartamento da sua família e comprou um carro novo. Ontem, no Ponto Frio do Shopping Tijuca, dava entrada em uma TV LCD de 46 polegadas.

- Como profissional liberal, se o mercado vai bem, as pessoas tem mais dinheiro para pagar pelos meus serviços. Se Deus quiser, vou continuar comprando - disse.

Mas casos como estes, que até então eram comuns, tendem a se rarear. Segundo Bráulio Borges, da LCA Consultores, está se esgotando a capacidade de endividamento das famílias brasileiras. Ele lembra, inclusive, que outra fonte do crescimento do consumo também está com potencial reduzido: o aumento dos empregos formais.

- Acreditamos que, por causa da baixa escolaridade do brasileiro, o patamar de desemprego de equilíbrio é de 7%. O IBGE indicou que, com dados ajustados sazonalmente, o desemprego em abril ficou em 6,4%, ou seja, estamos perto de uma pressão no mercado de trabalho que pode reduzir o ingresso de novos profissionais ou inibir o consumo e a pressão inflacionária - disse.

Demanda reprimida explica consumo alto no Brasil

O perfil da economia brasileira ajuda a explicar o crescimento contínuo do consumo das famílias visto no PIB. Os economistas lembram que, historicamente, medidas como juros altos, que em outros países inibem o crescimento, no Brasil têm um efeito limitado. O país tem uma demanda reprimida grande devido a sua enorme de desigualdade de renda.

- O Brasil não tem problema de falta de demanda. A temática brasileira é o desequilíbrio externo - afirmou Armando Castelar, economista da Gávea Investimento.