Título: Queremos é tornar mais ágil o processo
Autor: Bernardo, Paulo
Fonte: O Globo, 06/06/2010, Economia, p. 37

Ministro do Planejamento adianta plano para acelerar obras públicas que será levado ao próximo presidente

ENTREVISTA

BRASÍLIA. Depois de cinco anos no governo, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, mescla bom humor com ironia como estratégia de trabalho. Animado com os números da economia, faz piada, enumera os bons resultados da administração do presidente Lula e já antecipa a transição de governo. Mas não tem a pretensão de considerar perfeito o atual governo: admite que faltaram reformas. Faz isso com a mesma tranquilidade com que ignora a sinfonia ensurdecedora de buzinas e apitos de funcionários públicos bem abaixo de sua janela, reivindicando aumento salarial. Sem intenção de atendêlos, qualifica-os de um sindicalismo ¿com pouca gente e muitos decibéis¿. Na sala de reuniões contígua a seu gabinete e emoldurado por um painel com as obras do PAC, o ministro admite que ainda é preciso melhorar vários aspectos da legislação e da gestão de grandes obras no país. Mas cutuca a oposição: ¿Fazemos em um mês o que eles faziam em um ano¿. Para não perder a piada, lembra que o crescimento levou à falta de mão de obra qualificada: ¿Não adianta querer formar um engenheiro em um ano. Nem ministro se forma em um ano, quanto mais engenheiro, que precisa estudar (risos)¿.

Flávia Barbosa, Gustavo Paul e Sérgio Fadul

O GLOBO: O senhor esteve envolvido com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) desde a elaboração. Quais são os pontos positivos e frustrantes desses três anos? PAULO BERNARDO: O mais positivo é que montamos uma carteira (de projetos) que tem continuidade e lógica. O mais frustrante é que os entraves que tínhamos no início continuam aí.

Temos muita dificuldade com meio ambiente, com preços unitários do TCU (Tribunal de Contas da União). Se vai construir um prédio, quer saber quanto vai custar o taco e a maçaneta da porta. É algo irracional.

E os projetos de lei idealizados para resolver esses problemas? BERNARDO: Algumas coisas estão no Congresso. Mas não é só isso. Estamos fazendo um diagnóstico da situação que pretendemos entregar para quem vencer a eleição, com sugestões do que deveria ser feito.

O diagnóstico vai mostrar os maiores entraves? BERNARDO: Já diagnosticamos a necessidade de aprimoramentos na legislação, até problemas nossos de gestão. O presidente me disse que se arrependeu de não ter tocado a ideia de reunir em uma grande mesa Ibama, Funai, para discutir as obras e resolver ali. Isso ainda é um negócio infernal. Passamos mais de 20 anos sem fazer investimentos.

Estamos testando a validade das regras agora. Para a Autoridade Olímpica, colocamos uma proposta de dar alguma flexibilidade para (licitar obras em) aeroportos, mas disseram que o governo queria fazer maracutaia.

Não estamos querendo fazer maracutaia. Queremos é tornar mais ágil o processo.

Os aeroportos têm entraves difíceis, não? BERNARDO: Temos que chamar todos os envolvidos, mas com o espírito de fazer. Ministério Público, TCU, Ibama, CGU, Funai falando que não vai fazer, esqueça, porque não vai fazer.

O PAC 2 vem acompanhado de alguma medida legal para destravar os processos? BERNARDO: Estamos preparando medidas institucionais, como alteração de legislação. Conversei com o presidente: ou deixamos para o próximo governo, ou tentaremos fazer na virada. A lógica é que, se a Dilma (Rousseff, pré-candidata do PT) ganhar a eleição, começamos logo. Se o Serra (José Serra, pré-candidato do PSDB) ganhar, é chamá-lo e perguntar o que ele quer fazer. Às vezes o cara se interessa.

Com o aprendizado que tiveram, sem os entraves, daria para que os três anos de PAC fossem feitos em um ano? BERNARDO: Um ano não, mas com certeza em dois anos teríamos feito. Gastamos na média um a um ano e meio para botar os projetos a andar. Os projetos de intervenção urbana demoraram até dois anos.

Qual é a razão para esse atraso? BERNARDO: Concluímos que a exigência inicial era errada.

Quando exigimos que o prefeito deveria ter projeto e licença ambiental, era uma exigência descabida. Se ele não tinha dinheiro para fazer, porque ele ia gastar dinheiro para fazer o projeto? É a lei da inércia.

Gasta uma energia enorme inicial, mas depois, com o corpo em movimento, gasta-se menos energia para mantê-lo.

A experiência com o PAC será incorporada à máquina pública, não importa qual seja o presidente eleito? BERNARDO: Vai. Contratamos muitos engenheiros novos, gestores que estão trabalhando nisso. Para qualquer governo, eles terão capacidade de desenrolar. Mas é preciso que haja prioridade para isso. No caso do PAC, nós mobilizamos o governo.

O dinheiro que foi cortado dos Transportes afeta esse bom desempenho do setor? BERNARDO: Não. É um valor pequeno. São coisas que não começaram a fazer. Sei da história de um parlamentar da oposição que procurou uma empreiteira e pediu um relato de como está o PAC. O cara (da empreiteira) falou que o que o governo Fernando Henrique fazia em um ano, está sendo feita em um mês. Paga com sete dias de diferença depois de atestar a nota. As empresas estão com os pagamentos em dia.

O senhor endossa essa relação citada pelo empreiteiro? BERNARDO: Estamos mesmo fazendo em um mês, o que antes levava um ano.

Como fica a questão fiscal para o próximo governo? Existe herança maldita? BERNARDO: Isso é conversa.

Refizemos as tabelas de salários dos servidores. O que se pagava não era capaz de manter as pessoas na administração pública.

Mas não é algo indefinido: não vamos fazer reajuste este ano. O próximo governo que defina sua política sobre isso. Este governo faz política fiscal. Tem a questão macroeconômica, não deixar acelerar demais a inflação.

Mas o corte de R$ 7,6 bilhões anunciado com esse objetivo é só contingenciamento...

BERNARDO: O contingenciamento terá o mesmo critério dos outros. Em julho e setembro, faremos revisões normais.

Temos que adequar a receita à despesa. Se a receita crescer mais, vamos liberar esses recursos.

O corte nunca é tão drástico.

Como o próximo presidente receberá a economia? BERNARDO: Vamos deixar uma economia crescendo com dívida menor. Tem tudo para até 2014 jogar essa dívida líquida abaixo de 30% do PIB. Esse período de ficar questionando a dívida vai acabar. Ninguém vai falar disso novamente.

Mas a dívida bruta (que desconsidera os ativos do setor público) cresceu bastante.

BERNARDO: Isso é conversa.

Temos US$ 250 bilhões de reservas (internacionais). Quando começamos, ninguém falava de dívida bruta, só de dívida liquida.

Essa se reduziu tremendamente.

Fizemos uma inflexão no ano passado que foi importante. Colocamos dinheiro no BNDES, capitalizamos a Caixa. Isso foi para evitar que o Brasil tivesse uma crise gravíssima. Se tivéssemos deixado a economia afundar, o custo fiscal seria maior: segurodesemprego, ajuda a banco e cooperativa, renegociar dívida de agricultor. Hoje estamos tentando segurar o cavalo, que está querendo andar rápido demais.

E o déficit fiscal nominal zero (equilíbrio entre receitas e despesas, incluindo juros)? BERNARDO: Vamos alcançá-lo no próximo governo. Não vamos fazer agora porque tivemos que aumentar muito o déficit no ano passado. E fizemos certo. É que tem alguns analistas espertalhões que começam a dizer que o governo pegou dinheiro do Tesouro e colocou no BNDES. O Tesouro tem crédito no BNDES.

Ele tem um banco que vale muito mais. A economia vai crescer e vamos conseguir zerar essa inflexão que nós tivemos.

A gente não está sob a teoria da bicicleta? Se a economia for bem, fica tudo arrumadinho.

Mas se der um tropeço, por conta de problemas externos, a gente cai.

BERNARDO: Temos de ficar atentos. Mas não estamos na teoria da bicicleta. Falar em Estado mais caro é muito relativo.

Estamos produzindo infraestrutura, estamos melhorando as cidades.

Mas isso não impede o consenso de que reformas institucionais precisam ser feitas, como a da Previdência? BERNARDO: Está aí uma coisa que estamos devendo. Fizemos a reforma da Previdência do serviço público em 2003, foi um desgaste enorme. E não foi regulamentada.

Lamentavelmente, temos que dizer isso. No caso da Previdência Social, o governo tinha que ter uma definição.

Aliás tivemos: o presidente não quis fazer. Mas acho que vai ter que fazer. O que temos que discutir é como não fazer uma barbaridade com gente que está há pouco tempo de se aposentar.

Nem que tenhamos que fazer uma reforma da Previdência que seja válida para quem vai entrar no mercado de trabalho.

O modelo atual funciona nos próximos 50 anos? BERNARDO: Eu diria que a Previdência está numa situação boa hoje. Mas está porque temos o tal do bônus demográfico. A População Economicamente Ativa (PEA) aumentou, a economia está crescendo. Hoje mais da metade da PEA está registrada em carteira. Está formalizada e recolhendo contribuições. Mas temos que fazer uma Previdência para as próximas gerações. Eu fiz 58 anos e daqui a dois anos serei idoso. Vou poder andar de ônibus de graça. Isso tem que ser repensado. Talvez selecionar por renda, tipo de atividade.