Título: A dengue é problema de todos
Autor:
Fonte: O Globo, 06/06/2010, Opinião, p. 6

Com a aproximação do inverno, época em que se registram no país acentuadas quedas de temperatura, reduzem-se também os cuidados com as medidas profiláticas contra a dengue.

É quando a população baixa de vez a guarda nas já incipientes medidas de prevenção contra a proliferação do Aedes aegypti, e o poder público, de maneira geral, cai na tradicional letargia que faz postergar as ações de combate aos focos da doença até a chegada do verão, portanto já na estação em que o mosquito se reproduz em níveis epidêmicos.

É da combinação de irresponsabilidade do cidadão com leniência das autoridades sanitárias que se forma o melhor dos mundos para o vetor. Neste quadro tenebroso, a advertência do Ministério da Saúde sobre uma iminente epidemia de dengue e o conhecido descaso dos governos com ações para reduzir as condições propícias à reprodução do inseto projetam um cenário preocupante a partir do fim da primavera. E, o que talvez seja mais injustificável: além de ser uma doença previsível, por sazonal, a dengue já se manifesta no Brasil há pelo menos 20 anos, período em que se sucederam epidemias que resultaram em 1.772 mortes (de acordo com os números oficiais) em todo o país.

O número de vítimas da dengue no Brasil se mede numa preocupante curva ascendente.

O Aedes aegypti infesta hoje quatro mil cidades, contra 1.752 municípios atingidos em 1995. Do total de 5,8 milhões de pessoas infectadas desde 1990, quase a metade (46%) foi registrada nos últimos cinco anos. É inquestionável que o combate à proliferação do mosquito pressupõe uma frente em que a população e os órgãos públicos façam, cada um, a sua parte. Deixar de cobrar a participação de quem deixa vasos de planta com água parada ou caixas d¿água destampadas seria ignorar responsabilidades individuais nessa cruzada.

Mas, em grande escala, não se pode ignorar que o mosquito tem vencido a guerra beneficiado por um quadro sanitário que resulta de um contencioso no setor de infraestrutura: o país tem 13,8 milhões de pessoas sem água encanada, 67 mil toneladas de lixo sem destinação adequada e 81% da população vivendo em área urbana. Eis aí, somado às temperaturas tropicais do verão, o perfil de um campo de batalha ideal para o inseto.

Somem-se aos problemas de infraestrutura as deficiências sanitárias e organizacionais para combater quatro tipos de vírus, com intensidade de infecção e ciclos de vida distintos. Neste último quesito, o poder público padece de um mal crônico: a notória desarticulação entre setores dos governos, que, em outros ciclos epidêmicos, chegou a ser tratada com a anedótica dúvida sobre se o mosquito seria federal, estadual ou municipal.

Ironias à parte, a realidade é que o próximo verão traz óbvias preocupações quanto a prováveis registros de epidemias em áreas mais sensíveis aos danos provocados pelo Aedes aegypti. Particularmente no Rio, onde se registrou a primeira epidemia de dengue do país, mas onde a ação do mosquito foi mais branda nos dois últimos anos. No Nordeste e em parte do CentroOeste, a advertência do Ministério da Saúde deve ser encarada com a seriedade que o risco da doença merece. As medidas profiláticas precisam começar imediatamente a ser adotadas nas duas frentes de combate (população e governos) para, se não evitar, pelo menos reduzir os efeitos do vírus.

Doença cresce na irresponsabilidade do cidadão e na leniência dos governos