Título: Pé no freio
Autor: Corrêa, Maurício
Fonte: Correio Braziliense, 21/06/2009, Opinião, p. 19

O Senado atravessa momentos de delicada conturbação. Todos os dias, novos fatos alcançam o domínio público. Não é o caso de dizer que não sejam procedentes. Muitos, por sua natureza, aparentam-se verazes. Outros, não tão explícitos, seguem a mesma toada incriminatória que se abate sobre a instituição. É lamentável que seja ela alvo de tantas acusações. Embora os acontecimentos sejam manifestações dos que a integram, é o Senado como tal que se vê enxovalhado perante a opinião pública. Casa de tantos feitos produzidos em prol da República e da democracia, não seria de presumir que fosse baralhada com extravagâncias comportamentais de alguns de seus membros. Na boca do povo fala-se do Senado e quase nada se diz dos causadores dos danos que o afetam. Pode-se assim dizer que os homens se confundem com a instituição.

O discurso pronunciado pelo presidente José Sarney na semana passada, na tribuna do Senado, foi desabafo de homem de bem. A densa biografia do homem público dispensa comentários. Como protagonista dos principais episódios da vida política nas últimas décadas, seu desempenho jamais foi objeto de qualquer pronunciamento judicial por atos que não fossem corretos. Como ocupante dos mais altos escalões da hierarquia política nacional, logrou chegar à Presidência da República, cujo mandato cumpriu até o termo final. O período em que chefiou a nação foi pleno de transformações políticas e sociais. A sociedade ansiava se reencontrar após haver padecido durante 20 anos sob tutela do regime militar. Era normal que o povo buscasse formas de realização política na nova ordem constitucional em instauração. Não foi tarefa simples para o então presidente.

Empenhou-se pela redemocratização do país, instalando-se no curso de seu mandato a Assembleia Nacional Constituinte. Discutido, votado e promulgado o novo texto constitucional, governou o país sob fogo cruzado dos debates na Constituinte, que à época funcionava paralelamente à Câmara dos Deputados, ao Senado e, conjuntamente, quando houvesse sessão, ao Congresso Nacional. Agrega-se ao currículo do ex-presidente a atividade intelectual de escritor, com fartas obras publicadas no Brasil e no exterior. Graças ao reconhecimento de suas produções literárias, foi escolhido membro imortal da Academia Brasileira de Letras. É despautério supor que, personagem de tantos títulos e honrarias, se deixasse levar por atos de torpezas indignos de seu passado. Seria jogar fora o patrimônio adquirido com sacrifício e trabalho.

O Senado padece dos mesmos vícios de outros órgãos da administração pública. É o que se tem observado no Poder Executivo, por exemplo. Não é infenso a fatos como os que se verificam no Senado. O mensalão deu a exata dimensão das mazelas que frequentaram o poder. Em termos de gravidade, não se pode comparar o que se apurou das relações do Palácio do Planalto com parlamentares, sobretudo com deputados federais. Do acumpliciamento dessas relações nasceram atos que, por sua natureza criminal, constituem objeto de denúncia já formalizada pelo Ministério Público Federal. É só compulsar os autos dos processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal, envolvendo deputados, ex-ministros de Estado e outros servidores do Poder Executivo, para se constatar que o mal não é só do Senado, se não que se infesta no serviço público em muitas de suas dependências. Diga-se o mesmo de membros do Poder Judiciário que estão a responder processo por condutas reprováveis, inclusive por atos administrativos censuráveis, hoje em fase de instrução e julgamento.

Não é a hipótese de pretender justificar um erro por outro. As providências tomadas pelo presidente Sarney para corrigir erros e traçar rumos são corretas e provam que não tem receio de rever o que esteja errado. Não pode responder por todo o passivo administrativo do Senado e por ele ser crucificado. Compete-lhe, isso sim, e já o faz, arrumar a casa e pôr as coisas em seus lugares. Não é exato julgá-lo como único responsável pela herança de distorções que remontam a décadas. Atos administrativos baixados que não encontram respaldo legal terão que ser desfeitos. A admissão de auditoria para proceder ao exame dos procedimentos ultimamente adotados, com sugestão de medidas para seu aperfeiçoamento, é o que de mais prudente se deve fazer. Quanto ao presidente Sarney, o endosso moral que lhe dá o presidente da República, enfatizando seus méritos e qualidades, bem retrata o sentimento de todos que conhecem e apreciam seus valores.

Não se trata de arranjar culpados para a crise em que se acha o Senado. Ninguém em sã consciência se atreveria a destruir a instituição, porque sabe que ela é a garantia da democracia. A supressão do Poder Legislativo seria a pior tragédia para um país que tem sua Constituição e caminha sob o Estado de Direito Democrático por ela erigido. O Senado possui senadores dotados do mais alto vigor cívico e moral. São homens que cultuam a instituição e amam o Brasil. Jamais faltarão com o apoio ao presidente Sarney neste momento difícil. Estou seguro de que o Senado da República voltará a seus tempos de glória, para orgulho do país e de seus cidadãos.