Título: Cerco ao contribuinte
Autor:
Fonte: O Globo, 07/06/2010, Opinião, p. 6

TEMA EM DISCUSSÃO: O papel dos municípios

Descentralização administrativa é conceito defendido nos melhores manuais técnicos, seja para a gestão privada ou pública. As organizações privadas, há tempos, se tornam cada vez mais horizontalizadas, adotam o compartilhamento de decisões, entre outros aperfeiçoamentos.

Aplicado ao modelo federativo brasileiro, o princípio, porém, sofreu distorções, cujo resultado tem sido o aumento do peso da conta de tributos remetida à população.

A Constituição de 1988, marco institucional da redemocratização, do fim da daninha concentração de poder (e dos recursos tributários) na União, abriu espaço para a multiplicação de municípios. Em não muito tempo, o número de prefeituras deu um salto: eram 4.180, hoje somam 5.564, mesmo que na segunda metade da década de 90 a indústria de criação de prefeituras tenha sido contida. O mal, como está provado, não é a descentralização administrativa em si. Cidades importantes como Rio e São Paulo se valem de regiões administrativas ou subprefeituras para poder manejar com problemas urbanos típicos do cotidiano: buracos, lixo, conservação.

A distorção está no fato de, no Brasil, toda prefeitura reproduzir o mesmo modelo de organização: todas têm câmaras de vereadores, procuradorias, levas de assessores, mordomias.

Resulta que a grande maioria delas não vive de recursos próprios, mas de repasses de fundos de participações, abastecidos pela União e estados. Muitas prefeituras surgiram de interesses políticos paroquiais. Se fosse levada em conta a capacidade de cada região gerar receita para sustentar as máquinas administrativas e atender às carências de investimento locais, elas não existiriam. Mas existem, para atender basicamente a esquemas de caciques políticos, donos de currais de votos mantidos à custa do contribuinte de todo o país. Uma reforma necessária neste campo a refusão de prefeituras, por exemplo jamais será feita, porque deputados e senadores também usam máquinas políticas municipais.

Menos mal que a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 1999, estabeleceu limites também à gastança municipal. Além disso, tribunais de contas são vigilantes, idem o Ministério Público e a Controladoria Geral da União. E se reconheça que o conjunto dos municípios é mais disciplinado na contribuição para o cumprimento das metas do superávit primário essencial para evitar o descontrole da dívida interna que a própria União.

Mas o problema estrutural persiste, o de haver municípios inviáveis do ponto de vista fiscal, e cuja população estaria mais bem atendida por prefeituras fortes financeiramente e gerenciadas por quadros de profissionais capazes. O universo de municípios se multiplicou e, assim como estados e a União, avançou sobre a renda da sociedade, no dramático processo de elevação da carga tributária ocorrido a partir do início da década de 90. Na positiva descentralização de poder na redemocratização, despesas foram repartidas entre os entes federativos, mas a União, ao abrir mão de receitas para estados e municípios, inventou as ¿contribuições¿ (CPMF, extinta; Cide, Finsocial etc) para continuar a se financiar e sem repartir esta arrecadação pois não se trata de ¿impostos¿ com governadores e prefeitos.

Estados recalibraram o ICM (acrescido do ¿S¿ de serviços), municípios reviram alíquotas do IPTU, e hoje temos uma carga tributária de 36% do PIB, a maior entre os emergentes, sem uma prestação de serviços à sociedade condizente com o peso dos impostos. Os municípios são parte deste garroteamento tributário.

Prefeituras também avançaram sobre a renda da sociedade