Título: Especialistas divergem sobre alcance da lei
Autor:
Fonte: O Globo, 14/06/2010, O Mundo, p. 22

Artigo da Constituição é citado como suposto empecilho à punição imediata de fichas sujas Fábio Vasconcellos, Natanael Damasceno e Tatiana Farah

RIO e SÃO PAULO. Após a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de aplicar, a partir deste ano, a lei que proíbe a candidatura de políticos com condenação na Justiça por decisões colegiadas (tomadas por mais de um magistrado), a interpretação sobre a abrangência da lei causa controvérsia no meio jurídico.

Especialistas têm visões divergentes sobre quem pode ser enquadrado na nova lei.

A presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-RJ, Vania Aieta, sustenta que a aplicação da lei pode esbarrar no artigo 16 da Constituição Federal, que impede mudanças nas regras eleitorais até um ano antes das eleições. Ou seja, a discussão pode chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), se algum político impedido de registrar sua candidatura questionar a nova lei.

¿ O posicionamento do TSE (de que a lei vale para este ano) me parece complicado porque fere o princípio da anualidade. O TSE entendeu que a lei do Ficha Limpa não altera as regras eleitorais, apenas uma norma procedimental.

Por outro lado, no meu entender, a aplicação este ano restringe um direito fundamental previsto da Constituição, que é o direito de poder participar da vida política do país ¿ argumenta Vania.

Para o advogado Luiz Paulo Viveiros de Castro, especialista em Direito eleitoral, a polêmica é injustificada. Ele diz que a Constituição, de fato, não permite que a legislação seja aplicada de modo retroativo. Mas afirma que esse princípio não impedirá que políticos condenados em segunda instância sejam barrados: ¿ Você não vai cassar o diploma de ninguém com base na nova lei. Mas, se alguém tem uma condenação em segundo grau, não vai conseguir fazer o registro da candidatura. É a incidência futura de uma situação pretérita.

Algo muito diferente de uma lei retroagir. Antes da lei, alguém condenado em segunda instância poderia concorrer porque só tem os direitos políticos suspensos após o trânsito em julgado.

Ele então apelava aos tribunais superiores e evitava a suspensão.

A partir de agora, não poderá mais usar esse artifício.

Para o advogado Bruno Calfat, especialista em Direito eleitoral do escritório Sérgio Bermudes, a questão é controvertida. Em sua opinião, ao entender que a lei vale para este ano, o TSE deixou claro que não está alterando a legislação eleitoral. Por outro lado, caso seja decidido que a lei vale para os políticos condenados antes da sanção da lei, Calfat crê que essa interpretação será mantida pelo Supremo.

¿ Dificilmente haveria modificações no Supremo em relação ao entendimento do TSE porque cabe ao TSE nortear a aplicação da legislação eleitoral ¿ afirma Calfat.

Para o diretor executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, o mais importante é que os eleitores não se prendam só a quem está ou não na lista da Ficha Limpa.

¿ O melhor da lei da Ficha Limpa é o debate que ela suscita.

Mas a principal responsabilidade (sobre a idoneidade dos personagens políticos) é dos partidos. Não é porque um determinado personagem não se enquadra na lei da Ficha Limpa que ele pode ser candidato. O partido político é que precisa filtrar adequadamente e dizer: o senhor é um aventureiro e não vai concorrer às eleições.