Título: Uma visita aos EUA
Autor:
Fonte: O Globo, 12/06/2010, Opinião, p. 7

Estou morando há mais de três anos em Washington. E, no entanto, por incrível que pareça, só agora tive a oportunidade de fazer uma visita aos Estados Unidos. A verdade, leitor, é que esse grande país não se vê nos mapas.

Os EUA começam, grosso modo, nos subúrbios e arredores de Nova York, Washington ou Miami e se estendem por todo um vasto território até os arredores de São Francisco. Entre esses extremos nas costas Leste e Oeste é que residem propriamente os Estados Unidos, com suas grandezas e misérias.

A minha viagem aos EUA se deu por ocasião da formatura de um sobrinho, pela Universidade de Notre Dame, em South Bend, Indiana. Foi uma experiência considerável. O que se nota, primeiro, é o grande predomínio de brancos ¿ vi poucos negros, latinos ou asiáticos. Segunda coisa notável: a intensidade do nacionalismo mais tradicional. O americano está entre os povos mais nacionalistas do mundo (sem isso, diga-se de passagem, nunca teriam chegado onde chegaram). Discursos patrióticos, hinos cantados em coro pela plateia, a bandeira do país em toda a parte ¿ tudo isso compunha um quadro de respeito quase religioso pelos símbolos da nação.

A formatura se deu ao longo de dois dias de cerimônias e celebrações. No final, eu já sabia ¿America, the Beautiful¿ quase de cor. Um dos oradores fez, de passagem, uma referência a Ronald Reagan ¿ foi recebido com uma ovação pelo imenso auditório. Em outro momento, alguém mencionou ¿os nossos rapazes no Iraque e no Afeganistão¿ ¿ mais uma ovação. Outro orador teve a ideia de pedir que os veteranos de guerra se levantassem. Várias gerações de ex-combatentes ¿ centenas de jovens, homens e senhores de idade ¿ ficaram de pé e receberam uma ovação demorada e calorosa.

Longe de mim, que sou um nacionalista nato e hereditário, desmerecer o nacionalismo dos outros. O que quero dizer apenas é que nós, brasileiros, que conhecemos no máximo Nova York ou Miami, não fazemos uma ideia minimamente razoável do que sejam os EUA.

Só depois de ir até um lugar como South Bend, Indiana, é possível entender como os americanos foram capazes de eleger não uma, mas duas vezes George W. Bush. Em conversas com pais de formandos americanos, era possível escutar coisas do seguinte tipo: ¿Obama é socialista demais...¿

A verdade, leitor, é que a eleição de Obama foi um acidente. Dificilmente teria ocorrido em condições normais. Não fosse a profunda crise provocada pelo estouro da bolha financeira, intensificada com o colapso do Lehman Brothers que ocorreu pouco antes da votação, dificilmente um afro-americano teria chegado à presidência dos EUA.

Em outras palavras, os EUA mudaram bem menos do que sugere a vitória de Obama em 2008. Por isso mesmo, é tão difícil que o governo Obama consiga atender às expectativas que inicialmente suscitou em certos setores da sociedade americana e no resto do mundo.

O presidente Obama se move sempre com grande cautela, procurando não se distanciar do centro de gravidade da política americana. Sempre que possível, quer ser bipartidário e aparecer como defensor de valores tradicionais, amplamente aceitos. Com todo respeito, quase diria que quem está hoje na Casa Branca é um negro de alma branca, formado em Columbia e Harvard, bem falante, convencional, que procura se ajustar às tendências fundamentais da sociedade americana.

Já no seu discurso inaugural, Obama dava sinais de conformismo. Por exemplo: mencionou os Founding Fathers (Washington, Jefferson e outros líderes da independência), a maioria dos quais proprietários de escravos, mas não fez uma referência sequer a Lincoln ¿ o presidente que aboliu a escravidão.

Apesar de todos os seus esforços, os Estados Unidos continuam desconfiados.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: pnbjr@attglobal.net.