Título: Médicos na Linha de Frente
Autor: Costa, Mariana Timóteo da
Fonte: O Globo, 13/06/2010, Mundo, p. 32

Trabalhando em clínicas populares venezuelanas, 15 mil cubanos vivem sob vigília

MÉDICOS CUBANOS atendem doentes venezuelanos em Caracas. Nas clínicas, fotos de Chávez e do líder revolucionário Che Guevara adornam as paredes

CARACAS. O Centro de Diagnóstico Integral (CDI) do bairro de Sebucan, em Caracas, é decorado com quadros e frases de Hugo Chávez, Fidel e Raúl Castro, assim como bandeiras de Venezuela e Cuba. Os três aparecem elogiando a revolução, beijando velhinhos pobres e abraçando crianças doentes. O centro faz parte da Missão Bairro Adentro, parceria entre Venezuela e Cuba que, desde 2003, fornece atendimento gratuito de saúde aos venezuelanos, realizado por 15 mil médicos de Cuba. Os moradores se sentem gratos pelo serviço, que realmente funciona; e 24 horas. Enfrentando filas pequenas, sem nenhuma burocracia, os doentes são atendidos, fazem exames e recebem remédios de graça das mãos de médicos cubanos, por quem costumam ser tratados com frases carinhosas como: ¿Qual é sua queixa, meu amor?¿

¿ Nunca tinha feito exames como o preventivo ginecológico. Hoje, estou com febre e dor de garganta e já vou chegar em casa medicada. Além disso, os médicos ouvem nossos problemas e cuidam bem da gente ¿ conta a empregada doméstica Ludimila Carillo, de 47 anos.

Outro que faz questão de concordar e elogiar o atendimento é o caminhoneiro Reinaldo Luna, de 38 anos:

¿ Uma vez sofri um acidente grave, fraturei a perna. Fui atendido rapidamente, e fiz várias sessões de fisioterapia de graça depois.

Os médicos, no entanto, não admitem ¿ ou não podem admitir ¿ que o preço que pagam por viverem na Venezuela é alto. Estima-se que, além dos barris de petróleo, o governo de Cuba recebe de Chávez cerca de US$1 mil mensais por cada médico. Mas o salário dos doutores não passa de módicos US$300.

¿ É uma espécie de escravidão moderna, Cuba aluga seus médicos ¿ diz o ex-chanceler Simón Alberto González, lembrando que os profissionais são proibidos de circular entre os venezuelanos e vivem ¿até quatro juntos, em apartamento de 30 metros quadrados¿.

Proibidos também de dar entrevistas, dois doutores não relatam sofrerem nenhum tipo de abuso ¿ mas falam, anonimamente, sobre como é viver no país de Chávez.

¿ Estou em Caracas há sete anos, já me acostumei. Pelo menos posso mandar dinheiro para a minha família em Cuba e tenho permissão para visitá-la ¿ diz um.

Outro deixa escapar um pequeno desabafo:

¿ Aqui eu consigo comer carne; em Cuba, quase nunca. Mas antes de Caracas vivi dois anos na África, e viver na África era muito mais tranquilo.

Desde 2003, cerca de 1.500 médicos cubanos aproveitaram a transferência para a Venezuela para, sem a necessidade de pegar um barco, desertar para a vizinha Colômbia e, de lá, para os Estados Unidos. As únicas ausências de médicos admitidas pelo governo Chávez, no entanto, são as irremediáveis. Em abril deste ano, o governo venezuelano homenageou os 68 médicos cubanos que nos últimos sete anos foram assassinados durante seu trabalho na Missão Bairro Adentro. Consequência do fato de a Venezuela ser hoje um dos países mais violentos da América Latina, registrando uma média de 50 mortes por fim de semana. (Mariana Timóteo da Costa)