Título: Nos cartões, o peso de mais de 50 tarifas
Autor: Duarte, Patrícia; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 13/06/2010, Economia, p. 29

Número de taxas é maior até que o dos bancos. Pressionadas, operadoras prometem reduzir cobrança

Sob pressão do governo e dos órgãos de defesa do consumidor, as operadoras de cartão de crédito e débito já aceitaram reduzir o número de tarifas cobradas pelos seus serviços.

Hoje, segundo o Ministério da Justiça, existem mais de 50 taxas no mercado ¿ com nomenclaturas que muitas vezes não deixam claro o objetivo, como cash money, ou configuram cobrança dupla. Trata-se de uma enormidade de tarifas se comparadas às atuais 31 aplicadas pelo setor bancário, cuja carteira de serviços é bem mais ampla.

Agora, adiantou o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), Paulo Rogério Caffarelli, o setor poderá reduzir para entre 20 e 30 o número de tarifas, além de buscar a padronização de cada uma. Ou seja, as empresas de cartões terão de usar os mesmos nomes nas taxas, facilitando a vida do consumidor na hora de fazer comparações de preços.

¿ Vamos pegar uma carona na resolução 3.518 ¿ resumiu o executivo, referindo-se às regras criadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para padronizar as tarifas bancárias, implementadas pelo Banco Central (BC).

As negociações entre as operadoras de cartões já começaram com o BC, que está encabeçando essa tarefa por meio do seu diretor de Normas, Alexandre Tombini. Procurada, a autoridade monetária, no entanto, não quis comentar o assunto. A expectativa de Caffarelli, da Abecs, é que as mudanças sejam tiradas do papel em até três meses: ¿ Mas isso tudo dependerá do palavra final do BC.

A existência de um número recorde de tarifas cobradas hoje pelos cartões é um dos principais nós que o governo quer desatar e, para isso, prepara regulação ampla do setor, que movimenta quase R$ 550 bilhões por ano. O BC e os ministérios da Justiça e da Fazenda são os responsáveis por essa ação.

O diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, Ricardo Morishita, destaca que o setor é um dos que mais receberam reclamações. No ano passado, concentrou 36,48% de todas as queixas feitas pelos consumidores aos órgãos oficiais, disparado no topo do ranking.

Ele destaca três problemas. O primeiro é a dupla tarifação. Ou seja, a cobrança de uma ou mais taxas de maneira inadequada e repetida. Ele cita a taxa de resgate de milhas que, na sua avaliação, não deveria ocorrer pois o cliente já arca com tarifa anual.

Nos últimos tempos, ressaltou Morishita, surgiu uma cobrança denominada ¿taxa de parcelamento¿, usada quando o consumidor decide dividir a compra.

Hoje, é comum isso ocorrer, ainda mais quando a loja ¿assume os juros¿, mas o usuário precisa ficar atento se o cartão não estabelece a nova tarifa.

¿ É correto que as empresas de cartões cobrem tarifas, mas desde que sejam justas. É ilegal o consumidor pagar duas vezes pelo mesmo serviço ¿ defendeu Morishita.

Taxas de `seguro desemprego¿ e `seguro tranquilidade¿ Para ele, o problema cresce quando o usuário do cartão tem renda menor, já que precisa da instituição financeira e fica mais vulnerável às cobranças elevadas.

Outra questão, lembrou Morishita, são as tarifas que não remuneram os serviços, como a ¿taxa de inatividade¿ ¿ ou seja, uma tarifa pela falta de uso do cartão. A dor de cabeça para o consumidor é enorme e, muitas vezes, só consegue resolver a questão recorrendo à Justiça.

O pequeno empresário Edmilson Neves Mariano, de 43 anos e dono de uma pet shop, sabe bem o que é isso. Sem que tivesse solicitado, a empresa incluiu em sua fatura a cobrança de ¿seguro desemprego¿ e R$ 30 mensais. Mariano entrou em contato com a operadora e, no mês seguinte, em vez de ter a cobrança suspensa, passou a receber a taxa de um novo serviço, desta vez chamado ¿seguro tranquilidade¿, no valor de R$ 17.

Foram três meses de reclamações até que o empresário entrou com uma ação na Justiça e acabou recebendo R$ 2 mil por danos ao consumidor.

¿ Hoje, os clientes só conseguem resolver as coisas entrando na Justiça ¿ afirma Mariano, que nem pensa mais em usar cartão de crédito.

Outra questão que incomoda muito os usuários são as tarifas sem informação, cujo nome não dá pistas sobre a sua finalidade, como a taxa para ¿saque emergencial¿.

A padronização das nomenclaturas, acredita Morishita, do DPDC, deve solucionar esse problema. O envio de cartões sem solicitação é outro entrave grave e acaba colocando em risco até a saúde financeira do consumidor.

Com tarifas uniformizadas, cliente poderá compará-las A professora Cláudia Almeida, de 44 anos, conta que ao longo dos últimos anos tem recebido cartões de crédito de várias empresas sem ter pedido. O assédio é tão grande que ela já chegou a ter oito cartões, e acabou pagando caro por isso.

¿ Comecei a gastar demais e em apenas um mês paguei o valor mínimo da fatura. Isso virou uma bola de neve que demorou três anos para se desmanchar ¿ afirma ela, que teve de arcar com taxas de juros altas, acima de 100% ao ano.

Cláudia tem hoje só dois cartões, mas continua recebendo propostas das operadoras. Como ela não os usa, as empresas entram em contato por carta e telefone para sugerir que ela faça o desbloqueio.

¿ Como já conheço o número (do telefone), nem atendo mais quando a ligação é da operadora.

Isso deveria ser proibido.

Se o consumidor quer outro cartão, ele é quem deveria procurar, e não ser assediado.

Caffarelli, da Abecs, reconhece a prática abusiva e conta que os grandes bancos vão assumir o compromisso formal junto ao governo de não usar mais essa tática.

Para a gerente jurídica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Maria Elisa Novais, a uniformização das tarifas cobradas por empresas de cartões é um avanço, por permitir ao consumidor comparar os diferentes tipos de serviços: ¿ Isso dará aos consumidores a chance de identificar o que é mais vantajoso