Título: Descuido do Brasil na área cultural pode atrasar investimentos da China
Autor: Sertti, Rennan; Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 13/06/2010, Economia, p. 28

Agressividade dos executivos brasileiros ao negociar ainda assusta asiático

WU DI veio para o Brasil depois de concluir o mestrado: apesar das diferenças culturais, fez amigos aqui

ZHU QING deixou família na China

Ronaldo D¿Ercole

O Brasil não criou um sistema de acolhimento para a nova geração de chineses que chega ao país ¿ o que dificulta, e muito, a adaptação desses profissionais ao mundo fora do ambiente de trabalho. Segundo especialistas, falta conhecimento na cultura chinesa, além de brasileiros com fluência em mandarim. Para alguns analistas, esse descuido pode atrasar alguns investimentos do país asiático no Brasil.

¿ Essa falta de preparo pode dificultar os investimentos por aqui. No EUA, por exemplo, há 25 mil cursos de mandarim. Por aqui, dois ou três. Nós não nos preparamos para receber a China ¿ disse Carlos Tavares, especialista em comércio exterior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

Desconhecimento gera preconceito ¿ outra questão que dá mais dificuldade à adaptação dos chineses. É o que explica a especialista em comércio com a China Suzana Bandeira, da Bandeira & Guanaes Consultoria:

¿ Ainda perduram referências preconceituosas na cultura corporativa brasileira, que nem estão mais alinhadas com a China de hoje. Essa falta de conhecimento, até na forma de lidar com negociadores, pode postergar investimentos.

Violência e dificuldade de comunicação são entraves

O engenheiro Zhu Qing, de 37 anos, está no país desde 2007. Para trabalhar no Brasil, deixou sua família na China ¿ mulher e filha ¿ e ainda não sabe quando vai retornar. Para ele, o lazer fica um pouco limitado, por causa da violência e do desconhecimento de inglês e mandarim em bares e restaurantes.

¿ A vida no Brasil é muito boa. Sem abertura econômica, não teria oportunidades de trabalho no Brasil. Tenho medo de sair à noite no Rio, por causa da segurança. Além disso, não falo português. Nos bares e restaurantes, ninguém fala mandarim. E poucos falam inglês.

Para Tang Wei, da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico, falta uma integração social mais forte, que poderia ser mais estimulada por governo e empresas.

¿ Muitos ainda não se sentem à vontade de viver no Brasil ¿ comentou Tang.

Como em toda regra, há exceções. E uma delas é Wu Di, que, logo após o mestrado em Pequim, recebeu uma missão da estatal chinesa de transportes marítimos China Shipping Agency de gerenciar a área financeira do escritório no Brasil. Cinco anos depois, Wu fala com entusiasmo do trabalho e da vida no Brasil ao lado da mulher.

¿ O Brasil e a China são dois países muito distantes, mas eu vim para cá e me sinto como se estivesse em casa, porque tenho amigos, muitos colegas.

Para Marco Polo Moreira Leite, diretor-presidente da Asian Trade Link (ATL), além da língua, os brasileiros não compreendem algo mais sutil nos negócios com chineses: o guanxi. O termo em mandarim dá nome à rede de cooperação entre empresários marcada pela cordialidade. Segundo Moreira Leite, a agressividade do empresário brasileiro afasta as negociações.