Título: A nova cara dos chineses no Brasil
Autor: D'Ercole, Ronaldo; Sertti, Rennan
Fonte: O Globo, 13/06/2010, Economia, p. 27

Profissionais qualificados do gigante asiático atuam em setores como energia, bancos, telefonia e siderurgia Fabiana Ribeiro

Amaior aproximação comercial entre o Brasil e a China faz surgir uma nova geração de chineses no país: a dos executivos de terno e gravata. Se, no passado, os chineses vinham para o Brasil para atuar no comércio, agora, as áreas são outras, como energia, petróleo, telecomunicações, bancos e siderurgia. São engenheiros, administradores, advogados, economistas, intérpretes que deixam a Ásia para assumir cargos de chefia ¿ ou de confiança ¿ em companhias que estão investindo no Brasil.

Segundo especialistas, essa geração, ainda pequena, vai crescer exponencialmente nos próximos anos, porque acompanham um voraz apetite chinês sobre as matérias-primas brasileiras. Há estimativas que apontam investimentos de US$ 12,7 bilhões em 2010 ¿ o que levaria o país a ser o número um em investimentos no Brasil. No ano passado, foram apenas US$ 83 milhões.

¿ O Brasil deve receber cada vez mais profissionais qualificados da China nas áreas em que os investimentos vão acontecer, como siderurgia, infraestrutura, complexo agrícola, telecomunicações, energia e setores automotivo e financeiro. Isso já reflete o processo de internacionalização das empresas chinesas. E a China, que até abril investiu US$ 360 milhões no Brasil, já é o sexto maior país a investir aqui ¿ afirmou Eduardo Celino, coordenador-geral de Investimentos da Secretaria de Desenvolvimento da Produção (SDP) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MIDC).

Do total dos investimentos estrangeiros no país até abril, esses US$ 360 milhões já respondem por 3,9% do total. Um salto sobre a mínima participação de 0,3% em todo o ano de 2009. Isso revela, segundo especialistas, o empenho do gigante asiático para manter seu forte ritmo de crescimento econômico ¿ que esbarra, contudo, na sua necessidade por matérias-primas.

Para os chineses, essa fome se traduz em postos de trabalho do outro lado do mundo. Mas que nem sempre correspondem ao sonho desses profissionais.

¿ Não é fácil convocar alguém numa empresa chinesa para trabalhar aqui. É um sacrifício. Muitas vezes, o salário nem é tão atraente, e a questão cultural é um entrave, sim.

Imagine que, na China, o filho é o responsável por cuidar dos seus pais.

Ao vir para cá, por exemplo, vem com esse peso. De qualquer maneira, os investimentos da China no Brasil têm um crescimento acima da média dos outros países, e, por isso, as oportunidades surgem onde a economia brasileira se destaca. Ainda devem vir empresas da área de máquinas e equipamentos. Copa e Olimpíadas também vão trazer investimentos. E, com mais investimento aqui, mais chineses com qualificação virão ¿ comentou Tang Wei, secretário-geral da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico (CBCDE).

No retorno, chance de salário maior

A distância não é grande o suficiente para cortar o vínculo dos chineses daqui com os de lá. Tanto que, na avaliação de especialistas, muitos executivos que vêm para o Brasil não esperam passar o resto da vida por aqui. Informalmente, existe uma regra que diz que o tempo de permanência por aqui varia de três a quatro anos. Dessa maneira, por apostar que se trata de uma mudança transitória, muitos deixam mulher e filho no gigante asiático, além dos seus pais e avós.

Mas há quem se case por aqui ¿ e, mesmo assim, ainda pense em voltar para seu antigo continente.

Como o economista Li Yi, de 24 anos, que conheceu a administradora Zhenyun Hong, de 28 anos, na empresa onde trabalham, a Sinopec, do setor de petróleo. Para ele, o objetivo seria ficar mais uns dois anos no Rio de Janeiro, passando a ter um currículo mais aprimorado.

¿ Assim vou ganhar mais do que um jovem da minha idade ao voltar para a China. Terei no currículo experiência profissional fora do meu país, pós-graduação, além de fluência em inglês e português ¿ disse ele, que mora num conjugado em Ipanema, mas raramente vai à praia.

¿ Não entendo isso de ficar horas se bronzeando. É perda de tempo.

Já a sua mulher veio mais cedo para o Brasil, tendo frequentado escolas públicas e particulares em Vila Velha (ES). Para ela, que se diz ¿de uma nova geração chinesa¿, com sua experiência profissional é possível retornar para a China, mas também é possível testar outras oportunidades ao redor do mundo: ¿ Somos cidadãos do mundo. E bem qualificados. Emprego não será problema para nós dois ¿ diz a moça, que ainda precisa driblar comentários de brasileiros que associam chineses a pastelarias, acrescentando que na culinária a união com o Brasil fica sacramentada. ¿ Na minha cozinha, tem arroz, feijão e frango xadrez.

Misturo os temperos.

A presença de chineses como Li Yi e Zhenyun Hong já aparece nas estatísticas do Ministério do Trabalho.

Segundo o governo, em 2006 717 autorizações de trabalho foram concedidas a esse grupo de imigrantes.

Em 2009, mesmo com a crise e com um recuo em relação a 2008, foram 1.405. E, até abril deste ano, já são 612. Para Paulo Sérgio de Almeida, coordenador-geral de Imigração do ministério, os dados refletem um movimento crescente de empresas chinesas que vêm se instalando no Brasil, fruto da maior integração econômica e comercial entre os dois países.

¿ Entre os profissionais contratados há, sim, um aumento, que tem a ver com o maior número de empresas chinesas se instalando no Brasil. São profissionais que já chegam ao Brasil com contratos de trabalho para níveis técnicos e intermediários, e de alta gestão ¿ comentou Almeida, para quem o fato de as empresas chinesas trazerem ainda um grande número de pessoas para cargos técnicos e de nível intermediário é um processo natural no primeiro momento em que chegam ao país. ¿ No começo isso é comum, elas trazem mais gente para áreas intermediárias, mas com o tempo essas funções tendem a ser ocupadas por pessoal local. É assim também com as empresas americanas e europeias.

No Brasil, modelo diferente do africano

Não é bem assim, entretanto, que acontece na África ¿ continente onde os chineses também foram buscar fontes de energia para sustentar seu crescimento, sobretudo petróleo. Lá, milhares de chineses em países como Congo, Argélia e Moçambique foram trabalhar como técnicos e gestores, reduzindo as oportunidades dos africanos. Em contrapartida, a China mudou o perfil de muitas regiões ao investir em projetos de infraestrutura.

¿ O modelo da África não funcionou aqui. Não era possível replicar esse sistema, já que nossas leis, nosso sistema, são diferentes ¿ disse Renato Amorim, fundador do Conselho Empresarial Brasil-China e atual consultor para empresas chinesas que desejam entrar no Brasil.

Ciente das diferenças culturais que separam as duas nações, Zhou Shixiu, pesquisador do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Cândido Mendes, divide sua vida entre a China e o Brasil. Desde 2003, vive um semestre por ano em Copacabana bem longe de sua família, que permanece em Hubei. A maior abertura comercial entre Brasil e China fez com que se tornasse quase um ¿cônsul extraoficial¿ para investidores chineses que querem se aproximar do Brasil. Ele foi consultor de Huawei e ZTE (ambas de telecomunicações), Chery (carros) e Sinopec quando elas se estabeleceram aqui. Atualmente, Shixiu mantém contato com 20 empresas que querem entrar nos mercados brasileiros de siderurgia, agricultura e papel.

¿ Às vezes, eu procuro as empresas; às vezes, são elas que me procuram. Na relação entre os dois países, há muita dificuldade com a língua e falta de conhecimento mútuo.

Como falo português e estudo sobre o Brasil há muito tempo, assumi voluntariamente essa função de mediador ¿ diz Shixiu, que também dá aulas na Universidade de Hubei, província onde nasceu.

Para o professor, cuja família ficou na China, nos próximos três anos haverá uma onda de empresas privadas se estabelecendo aqui. Ele aposta que essa nova leva vai proporcionar mais postos de trabalho para brasileiros, já que as pioneiras no Brasil estão ganhando confiança na mão de obra local: ¿ No futuro, a tendência é que venham cada vez mais empresários e cada vez menos mão de obra chinesa. O perfil vai mudar