Título: 'Quem paga mais impostos são os pobres'
Autor: Almeida, Alberto C.
Fonte: O Globo, 13/06/2010, O País, p. 12B

Para cientista político, quem defender a redução da carga tributária no país terá voto nas eleições de outubro ENTREVISTA Alberto C. Almeida

O brasileiro quer eleger em outubro um candidato que assuma o discurso radical pela redução da carga tributária. A conclusão é do cientista político Alberto Carlos Almeida, de 44 anos, do Instituto Análise, que realizou pesquisa em todas as regiões do país para escrever o livro ¿O Dedo na ferida: menos imposto, mais consumo¿ (Editora Record), lançado semana passada. Um dado obtido nos levantamentos, financiados por uma instituição financeira, mostra que 85% dos brasileiros sabem que o imposto está embutido nos preços das mercadorias. Apesar disso, nenhum dos principais candidatos a presidente ainda assumiu a bandeira. Para Almeida, Marina Silva (PV) tem mais chance do que José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) de defender a redução dos tributos. A seguir, trechos da entrevista com Almeida, que já publicou ¿A cabeça do brasileiro¿ e a ¿A cabeça do eleitor¿:

Sérgio Roxo

O GLOBO: O que a pesquisa mostra de mais importante? ALBERTO CARLOS DE ALMEIDA: Esse é o primeiro estudo sistemático sobre o que a população brasileira adulta pensa dos impostos. A elite brasileira tem preconceito e nunca foi lá perguntar para a população se ela paga imposto. Você paga imposto quando compra um produto de vestuário? Paga imposto quando compra alimento?

E existia um senso comum de que as pessoas não tinham consciência disso? ALMEIDA: Acreditava-se que poucos no Brasil sabem que pagam imposto. Só aqueles que pagam Imposto de Renda. Não é verdade. Da população brasileira, 85% sabem que pagam imposto quando compram alguma coisa. Não sabem quanto pagam, mas sabem que pagam.

O livro afirma que as pessoas têm ideia que pagam de 1% a 10% de imposto nas compras...

ALMEIDA: É muito mais. Mas também ninguém sabe ao certo quanto paga. Nosso sistema é complicado. O livro mostra o que a população gostaria que os impostos fossem reduzidos. O que sustenta o discurso de redução de impostos? Se reduzir imposto, você vai comprar porque o preço dos produtos ficará menor. A população acha que redução de imposto gera emprego.

Mas reduzir imposto não significa diminuir os serviços prestados pelo Estado? ALMEIDA: Uma das perguntas da pesquisa era sobre o que dá mais resultado para melhorar a Saúde: colocar mais dinheiro, e, para isso, seria necessário aumentar os impostos, ou utilizar melhor os recursos. O resultado disparado foi: utilizar melhor os recursos existentes. Então, você vê numa campanha o político dizendo ¿vou investir mais R$ 1 milhão na saúde¿. As pessoas não querem ouvir isso. Elas preferem ouvir: vou utilizar melhor os recursos. Esse é um discurso que as pessoas querem e os políticos não fazem.

No caso da eleição presidencial, os três principais têm origem política de esquerda.

Não existe uma ideia de que reduzir imposto não é uma coisa de esquerda? ALMEIDA: Quem paga mais imposto no Brasil, proporcionalmente, são os pobres. Reduzir imposto beneficia os pobres.

O pensamento comum não liga redução de imposto ao Estado mínimo? ALMEIDA: Sim, mas não se aplica ao Brasil. Vivemos uma espécie de jabuticaba fiscal. Em todo o país do mundo, o imposto é progressivo. Quem ganha mais paga mais. No Brasil, é regressivo. Então, o imposto é gerador de pobreza e desigualdade.

No Brasil, reduzir imposto é discurso de esquerda.

Mas o mito é de que é um discurso de direita? ALMEIDA: No Brasil, há muito desperdício de recursos, muita corrupção. A nossa carga tributária é de 36% do PIB. Será que 6% disso não é corrupção? Se for, você reduz para 30% de imediato. Será que teria outros 6% que você poderia ganhar com a economia girando mais? O que temos é um sistema político que, quando você tem um problema, repassa a conta para a sociedade, e vai aumentando imposto. A sociedade não aguenta mais isso.

Um das perguntas da pesquisa condicionava a redução de impostos ao impedimento da expansão do Bolsa Família? ALMEIDA: A pergunta era: vamos cortar impostos, mas com isso não será possível aumentar o Bolsa Família, ou vamos manter os impostos como estão, mas vamos aumentar o número de beneficiários do Bolsa Família? As pessoas preferem cortar imposto e manter como está.

Mas quem é beneficiário não pode mudar a sua opção de voto, se algum candidato ameaçar o programa? ALMEIDA: A população acha que o Bolsa Família está consolidado.

A pesquisa dizia que o programa seria mantido, não haveria redução. Só não haveria expansão. É muito barato, o Bolsa Família. É 0,4% do PIB. A nossa carga tributária é 36%.

E o efeito do corte sobre outros serviços? ALMEIDA: Foi perguntado se é melhor que o governo cobre imposto e esse dinheiro volte em forma de Pró-Jovem, Bolsa Família, Vale-Cultura, ou que o governo diminua o seu imposto e esse dinheiro fique no seu bolso para você usar. A maioria prefere que diminua o imposto. O brasileiro quer tomar decisões sobre o seu dinheiro. A CPMF foi muito educativa nesse sentido.

Quando foi implementada, gerou uma expectativa de que a saúde melhoraria, e não melhorou.

E, quando tiraram a contribuição, não piorou. Está a mesma droga. Portanto, não faz diferença. Foi só para roubar, só para jogar dinheiro fora.

Por que os políticos não adotam o discurso da redução dos impostos? ALMEIDA: Os políticos não sabem que o eleitorado está maduro para isso. O livro está mostrando que o povo sabe muito mais do que a gente acha que ele sabe. O povo pobre mesmo, pouco escolarizado.

Há um acordo tácito entre os políticos para manter o sistema de patronagem. Redução de impostos realmente os obrigaria a serem eficientes.

Tem que colocar funcionário público para trabalhar.

Alguns políticos lá dentro vão ter de romper esse acordo em algum momento e mobilizar a sociedade. Quem fizer o discurso vai ter muito voto, vai ser eleito. Se o Serra não assumir essa bandeira com ênfase, ele corre o risco não só de perder para a Dilma, mas também de perder de lavada.

O senhor vê perspectiva de um dos candidatos a presidente assumir esse discurso? ALMEIDA: A Dilma, não. O Lula acabou de falar sobre isso (a carga tributária). A minha resposta ao Lula é muito simples: com 10% (do PIB de carga tributária), não tem Estado. No caso do Brasil, com 36% (do PIB de carga tributária), não tem sociedade. A sociedade brasileira é economicamente sufocada pelo Estado. Vive para sustentar o Estado perdulário. Como a Dilma está encaixada nesta tradição, dificilmente ela compraria o discurso. O Serra vem mais ou menos dessa mesma tradição fiscalista. Talvez como uma ação pragmática, quando a Dilma começar a abrir vantagem. E hoje, talvez, a que tenha maior condição, maior liberdade de tomar decisão de adotar esse discurso, seja a Marina Silva. Se ela adotar esse discurso, ela passa a ser uma ameaça para o Serra.

Na orelha do livro, o senhor cita um discurso do Lula em que ele fala sobre a pretensão de permitir que todos os brasileiros comprem carros.

ALMEIDA: Ele falou, mas não fez. É só zerar o PIS e Confins que estão embutidos na produção de automóvel. Vai faltar dinheiro? Não vai não. É só utilizar melhor o recurso existente. É só não ter mensalão.