Título: Emenda perigosa
Autor: Lopes, Claudio Soares
Fonte: O Globo, 13/06/2010, Opinião, p. 7

É incrível o que ocorre em períodos pré-eleitorais no Congresso Nacional. Refirome à proposta de emenda à Constituição nº 381, de 2009, já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e que prevê a criação de um ¿Conselho Nacional de Polícia¿, que pretende exercer, com exclusividade, o controle externo da atividade policial.

Na verdade, o único objetivo da proposta é acabar com qualquer tipo de fiscalização ou controle externo da atividade policial, que hoje é exercido pelo Ministério Público.

Na justificativa do projeto, afirmase que o Ministério Público não estaria conseguindo fiscalizar com eficiência e imparcialidade a atividade policial.

Está evidenciado que a proposta é a maior prova de que promotores e procuradores estão desempenhando com eficácia o controle externo das polícias.

Sob a falsa justificativa de manter um maior controle, esse projeto de emenda afasta a atividade policial da fiscalização de milhares de promotores de Justiça que atuam na área criminal por todo o país, para concentrá-la num conselho de 17 membros, dos quais dez seriam delegados de polícia.

Lembre-se de que a própria Organização das Nações Unidas, em seu último relatório sobre a violência no Brasil, recomendou que o controle externo da atividade policial fosse intensificado pelo Ministério Público, uma vez que a punição de policiais criminosos esbarraria no corporativismo de seus membros.

Se essa proposta de emenda constitucional, por um lado, é genuinamente corporativa e contrária ao interesse público, por outro lado, padece de vício de inconstitucionalidade.

A Constituição previu que no quesito segurança pública fazemse necessárias uma fiscalização interna e outra externa.

A interna é exercida pelas respectivas corregedorias de polícia, pelo secretário de Segurança e, em última instância, pelo governador do estado, que é eleito pelo povo.

Na sua última versão, o projeto prevê a possibilidade de o Conselho expedir atos normativos (regulamentares) e zelar pela ¿autonomia dos delegados de polícia¿.

O problema é que tal interferência regulamentar é inconcebível e essa autonomia não existe, pois os delegados de polícia são agentes públicos subordinados ao governador do estado.

Quanto ao controle externo das polícias, é função típica do Ministério Público fiscalizar a atividade fim, considerando que todo trabalho policial tem como destinatário o próprio Ministério Público ¿ responsável por levar a acusação ao Poder Judiciário.

Como o Ministério Público poderá fiscalizar eficazmente a qualidade da atividade policial se não detiver o controle externo dessa atividade? Essas foram as razões do constituinte ao atribuir tal missão ao Ministério Público.

Sob esses aspectos, portanto, a proposta de emenda constitucional em andamento na Câmara fere o pacto federativo e o sistema de freios e contrapesos entre os poderes, cláusulas pétreas da nossa Constituição Federal, vale dizer, dispositivos constitucionais que não podem sofrer alteração em razão dos interesses que protegem.

Por fim, não se pode traçar qualquer paralelo entre o proposto Conselho Nacional de Polícia e os já criados Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público. Primeiro, porque a magistratura e o Ministério Público são regidos pelo princípio da unicidade e, ainda, porque detêm parcela de poder.

Segundo, porque não estão subordinados ao chefe do Poder Executivo, isto é, detêm autonomia financeira e administrativa. Por fim, porque o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público não estão vinculados à atividade fim dos juízes e promotores de Justiça, que têm a denominada garantia de independência funcional.

Conclui-se, assim, que a proposta será, com todo respeito, um perigo para a sociedade, caso a referida emenda seja aprovada.

CLAUDIO SOARES LOPES é procuradorgeral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.