Título: Por dentro da Amazônia
Autor: Cabral, Gisela
Fonte: Correio Braziliense, 21/06/2009, Ciência, p. 24

Um dos maiores programas científicos do Brasil, o LBA revela como o que ocorre na floresta repercute na atmosfera

O trabalho desenvolvido por 104 mil cientistas brasileiros, 900 pesquisadores mundiais e 918 estudantes na Amazônia consolidou o Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera (LBA), criado em 1998, como um dos principais e mais ousados programas científicos do país em termos de estrutura e investimentos financeiros. Ao longo dos últimos 12 anos, pelo menos 150 pesquisas foram desenvolvidas na Região Amazônica, resultando em uma mudança de pensamento do governo com relação ao gerenciamento e ao custeio de estudos científicos. Ao todo, foram investidos pelo menos US$ 100 milhões (considerando-se a variação do valor do dólar nesse período, cerca de R$ 300 milhões) na formação de profissionais e no estudo da interação entre o que ocorre na floresta e na atmosfera.

Somente o governo federal e a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) são responsáveis por 80% desse montante. Os outros 20% são provenientes de governos e entidades científicas europeias. Desde 2001, o governo federal garante, por meio do Plano Plurianual de investimentos, R$ 3 milhões a cada ano. Investimentos financeiros, aliados ao preparo e conhecimento dos profissionais envolvidos, resultaram numa verdadeira força-tarefa, que visa mudar o atual cenário da Amazônia, definido como ¿preocupante¿ por muitos pesquisadores.

Obter um número cada vez maior de parcerias nacionais e internacionais também tem sido uma das principais metas do programa, que passou a agregar nessa nova fase o conhecimento de sociólogos, antropólogos, economistas e geógrafos. ¿É uma via de mão dupla: os cientistas recebem incentivo para a pesquisa e contribuem para a formação de novos agentes¿, explica Antônio Manzi, membro do Inpa e gerente executivo do LBA.

Mais seca

Na primeira fase do programa, finalizada em 2007, os cientistas chegaram a conclusões significativas, como, por exemplo, o fato de que as queimadas interferem diretamente na redução das chuvas na Região Amazônica e também na América Latina. Isso por conta dos feixes de fumaça que acabam emitindo até 20 mil partículas de gases poluentes por metro cúbico na atmosfera ¿ o dobro do que lança a cidade de São Paulo (SP) nos dias mais poluídos do ano. Em situações normais, sem a interferência humana, a Amazônia costuma emitir cerca de 300 partículas de gases não poluentes. Já em contato com as nuvens, os gases das queimadas se transformam em gotículas ¿ que, por serem bem menores, de 5 a 10 micrômetros (1 micrômetro é a milésima parte do milímetro), facilitam a evaporação e a formação de chuvas.

¿Hoje, podemos dizer que as queimadas são responsáveis pela extensão de três a quatro semanas da estação seca na Amazônia¿, diz o pesquisador e professor da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artaxo. Segundo ele, o efeito das queimadas também afeta a absorção de carbono pelas plantas. Na tentativa de mudança desse cenário, o próprio LBA desenvolveu sistemas avançados de detecção de desflorestamentos e queimadas, por imagens de satélite, quase em tempo real.

Um sistema como esse permitiria que fossem feitas ações de fiscalização e controle do desmatamento, fator que reduziria cada vez mais a impunidade. Um estudo publicado na última segunda-feira pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) comprovou que apenas 14% dos processos contra crimes ambientais na Região Norte do país resultam em algum tipo de punição.

Demora

De acordo com a ONG, 15% dos 51 casos ocorridos no Pará prescreveram por demora da Justiça e dos órgãos ambientais. Esses processos tinham uma duração média de cinco anos e meio, desde a investigação até a sentença. Em 2009, o LBA planeja a continuidade das pesquisas para futuramente realizar um levantamento com novos resultados. ¿Este ano, queremos ampliar e consolidar as redes de observações ambientais, com o auxílio de torres meteorológicas. A viabilidade desses projetos está sendo estudada¿, afirma Antônio Manzi.

Ampliar o número de profissionais formados é mais uma das metas do projeto, que atualmente mantém em funcionamento quatro programas de doutorado, quatro de mestrado e três cursos de graduação em instituições federais da Amazônia.

As queimadas são responsáveis pela extensão de três a quatro semanas da estação seca na Amazônia