Título: Privatizar também a Saúde?
Autor: Dirceu, José
Fonte: O Globo, 14/06/2010, Opinião, p. 7

Está cada dia mais patente, em todas as áreas, a inconsistência do que quer a oposição para o Brasil. Do presidente do PSDB, que disse que acabaria com o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), aos economistas tucanos que estão preocupados com o ritmo do crescimento e da geração de empregos, está faltando criatividade à oposição. Sem projetos sólidos, recorrem sempre à mesma artimanha: atacam as propostas de continuidade do governo Lula e fingem que sabem fazer, mas acabam por não apresentar algo congruente.

O mais recente artífice dessa prática é o ex-auxiliar de José Serra no Ministério da Saúde e atual secretário da Saúde da Prefeitura de São Paulo, Januário Montone. O tema é o favorito do marketing de Serra, ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso. Mas, apesar de difundir que a Saúde é questão central de seu programa, Serra ainda não explicou o que quer fazer.

Por trás do discurso do que fez na gestão FHC, Serra esconde seus reais objetivos. No dia 4 deste mês, neste mesmo O GLOBO, Montone deu as pistas do que quer a oposição: a terceirização do SUS (Sistema Único de Saúde). De fato, é o que Serra fez em São Paulo. Terceirizou hospitais e outros equipamentos públicos por meio das OSS (organizações sociais da saúde).

O SUS é uma das principais conquistas da Constituição de 1988. Ao defender a terceirização como saída economicamente mais rentável, os tucanos repetem o discurso neoliberal que justificou as privatizações. Uma ideia temerária, porque trata a Saúde não como política pública, mas de forma contábil. Ademais, a oposição atuou para derrubar a CPMF, que permitia injetar R$15 bilhões por ano no setor.

Se a discussão é sobre recursos aplicados, Serra precisa explicar por que, como governador paulista, desrespeitou a emenda constitucional 29, que fixa gastos mínimos na Saúde. Só em 2007, primeiro ano de gestão, R$1,1 bilhão obrigatórios à Saúde foi destinado a outros fins. Será que é porque a alocação menor de verba ajuda a sustentar o discurso contábil e a justificar a terceirização?

No que tange ao debate de fato preocupado com o aperfeiçoamento da regulação e do controle por parte do Estado dos planos de saúde, O GLOBO publicou, em janeiro, excelente diagnóstico da doutora em Saúde Pública Lígia Bahia, sobre as fragilidades do modelo pretendido por Serra e Montone. A principal é a resistência em ressarcir o SUS quando os usuários dos planos usam o sistema público. Os pagamentos só são feitos quando ocorrem internações eletivas aprovadas pelos planos. Nos demais casos, como cirurgias e emergências, o Estado é quem arca com os custos. Ou seja, quem paga por plano da saúde dá lucros às operadoras enquanto o prejuízo é da população que depende do SUS. O governo federal tem adotado, via ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), medidas para garantir os ressarcimentos, mas as operadoras transformam a questão em batalhas judiciais.

Uma das alternativas para fortalecer a regulação seria transformar o Geap (Fundação de Seguridade Social) em um plano público para concorrer com os privados. Criada em 1945 para atender ao funcionalismo e que atualmente assiste cerca de 700 mil pessoas, a seguradora funcionaria como um modelo de gestão e atendimento ao público, forçando a iniciativa privada a melhorar os serviços.

É preciso um esforço para melhorar a saúde suplementar e evitar que os recursos públicos sirvam para subsidiar a iniciativa privada. O Ministério da Saúde possui uma política correta de ampliação da rede de atenção básica. O programa Saúde da Família é tratado com prioridade e as UPAs (Unidades do Pronto-Atendimento) proliferam com rapidez pelo Brasil. Também estão corretas as iniciativas para melhorar a gestão hospitalar e toda a rede de média e alta complexidade. O caminho deve ser o de melhorar as condições de atendimento pelo Estado, não o da privatização de serviços essenciais.