Título: Hospitais filantrópicos enfrentam crise financeira e pressionam o SUS
Autor: Fabrini, Fábio
Fonte: O Globo, 20/06/2010, O País, p. 14

Estudo mostra que 71% das instituições acumularam este ano dívida de R$ 5,67 bilhões

BRASÍLIA. Responsáveis por quase a metade das internações e 11% dos atendimentos ambulatoriais pelo Sistema Único de Saúde (SUS), os hospitais filantrópicos amargam a mais aguda crise financeira de sua história.

Nada menos que 1,3 mil instituições ¿ 71% do total ¿ acumulam em 2010 dívida recorde de R$ 5,67 bilhões. O valor triplicou em quatro anos e supera o orçamento de capitais como Salvador (R$ 3,9 bilhões). Os impactos para a população são perversos, com cortes na assistência, queda da qualidade e falência de unidades.

A soma dos débitos, considerados impagáveis, foi apurada em estudo recém-concluído pela Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB), que prevê colapso do setor, caso não haja reajuste dos repasses do SUS e melhorias na gestão das unidades. A crise desativou 2,5 mil leitos e atinge principalmente instituições de pequeno porte, no interior. Metade dos estabelecimentos fica em cidades de até 30 mil habitantes, onde são a única opção de atendimento hospitalar.

Embora sem levantamento preciso da dívida, a Federação das Misericórdias e Entidades Filantrópicas do Rio (Femerj) avalia que, no estado, a situação não foge à regra, com pelo menos a metade dos 120 hospitais em situação crítica. O superintendente da CMB, José Luiz Spigolon, diz que a raiz da crise é o subfinanciamento da saúde pública.

Por lei, as entidades têm de garantir ao menos 60% de atendimento pelo SUS, cuja tabela não cobre os custos.

¿ Para cada R$ 100 gastos, recebemos, em média, R$ 65. Desde 1999, não há reajuste linear. Só aumentos em grupos de procedimentos ¿ reclama, acrescentando que a massa de atendimentos é de média complexidade, de preços defasados.

Sem caixa, os hospitais atrasam o pagamento de financiamentos bancários, dos tributos, dos fornecedores e da Previdência.

Em geral, bancos oficiais fazem empréstimos consignados, descontando parcelas do repasse do SUS, o que debilita o capital de giro. Somente a Caixa liberou ao setor R$ 390,6 milhões em 2008, valor que foi a R$ 834,5 milhões em 2009, segundo a CMB

Gestão ruim agrava problema

As instituições maiores procuram compensar o déficit com convênios e serviços privados.

Porém, na maioria dos casos, a participação no total de atendimentos é inexpressiva.

Há também falhas de gestão.

Spigolon diz que sobretudo nas pequenas unidades, a administração é amadora. São elas as que mais têm dificuldades. Seis em cada 10 hospitais endividados têm até 50 leitos.

Uma das preocupações, explica o assessor da Femerj, Roberto Nabarro, é que a nova lei da filantropia, não regulamentada, obrigará as instituições a se manter sem débitos com a administração para obter isenções.

Em Minas, os débitos somam R$ 1 bilhão. Estudo da Secretaria de Estado da Saúde mostra que, quanto menor a estrutura do hospital, mais provável é o rombo nas contas.

¿ Em geral, a ocupação é baixa, a maioria dos pacientes é do SUS e os serviços prestados são de baixa e média complexidades, mal remunerados¿ constata José Luiz Maria Borges, pesquisador da secretaria que propõe a simplificação do atendimento.

Em Sabará, na Grande Belo Horizonte, a Santa Casa ¿ maior e único hospital 24 horas da cidade de 126 mil habitantes ¿ parou por um dia em 2009, por falta de médicos. A maternidade foi desativada por dois anos, voltando a funcionar com um empréstimo de R$ 450 mil.

Recentemente, foi preciso pedir 200 cestas básicas. Equipamentos estão sucateados. Num dos setores, com 27 leitos, houve intervenção de emergência para evitar que desabe.

A provedora do hospital, Karla Matarelli, diz que o passivo é de R$ 1,5 milhão: ¿ Sem ajuda, não vamos prosseguir por muito tempo.

Por mês, faltam R$ 250 mil.

Não raro, a interrupção dos serviços é inevitável, como em Piranga (MG). Fundada na década de 1970, a Casa de Saúde e Maternidade São Sebastião, ligada à Igreja, fechou em abril, com dívida de R$ 350 mil, deixando a população de 17 mil habitantes dependente de um único hospital.

Antes do apagar das luzes, a receita era de R$ 24 mil mensais, e o déficit de R$ 29 mil. Salários de 11 meses estavam atrasados, o telefone havia sido cortado, faltavam esparadrapos e a equipe médica caíra à metade.

¿ Se o sistema não mudar no país, vai morrer gente ¿ adverte o administrador da Casa de Saúde de Piranga, Rui Miguel Peixoto de Miranda, sem previsão de reabertura.