Título: De fora da onda do emprego
Autor: Almeida, Cássia; Gomes, Wagner
Fonte: O Globo, 20/06/2010, Economia, p. 27

Desempregado no país é, na maioria, mulher, tem 15 a 49 anos e ensino médio

RIO, SÃO PAULO e RECIFE

O mercado de trabalho brasileiro vive um dos melhores momentos na história recente, diante do forte crescimento econômico dos últimos tempos, a ponto de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já ter falado em pleno emprego.

A taxa de desemprego é a menor para um mês de abril (7,3%) e o contingente de 21,8 milhões de brasileiros ocupados ¿ que está engrossado por mais 907 mil trabalhadores frente ao ano passado ¿ é o maior desde que o IBGE começou a nova Pesquisa Mensal de Emprego em 2002. Mas, então, por que 1,710 milhão de pessoas no país ainda encontram dificuldades para conseguir uma vaga nesse mercado tão carente de mão de obra nas seis maiores metrópoles brasileiras? Essa é a pergunta que Joana Darc Nunes, de 28 anos, faz ao não conseguir resposta dos currículos enviados, das entrevistas feitas e dos anúncios que responde. Moradora do Rio, Joana faz parte de um contingente de desempregados que são, na maioria, mulheres, têm entre 25 e 49 anos, ensino médio completo e já trabalharam alguma vez.

¿ Trabalho desde os 12 anos. Tenho ensino médio completo, estudo Excel (programa de computador para confecção de planilhas) e fiz curso técnico de logística. Mesmo assim, não consigo emprego ¿ conta Joana, que se ressente das exigências dos empregadores por experiência na sua procura que já dura cerca de sete meses.

A falta de qualificação é a principal explicação da economista do Santander, Luiza Rodrigues, para as grandes cidades ainda terem esse número alto de desempregados: ¿ A maioria dos que estão sem emprego não tem qualificação. E há os universitários que não têm experiência.

Há ainda aqueles com qualificação, mas não a que atende à demanda do mercado.

Os especialistas explicam ainda que o desemprego vem afetando mais as mulheres porque muitas estão entrando tardiamento no mercado de trabalho, com menos experiência, o que dificulta a disputa pelo emprego. Além disso, elas costumam ter menos tempo disponível para procurar uma vaga.

Com faculdade, só 3,7% de desemprego

Num momento em que representantes de setores econômicos, como o da construção civil, dizem haver dificuldade para encontrar mão de obra, os que têm nível superior estão minguando entre os desempregados. Eram 148 mil em abril, 8,6% do total de pessoas à procura de uma vaga. A taxa de desemprego dos trabalhadores com nível superior é de 3,7%, contra 9,6% de quem estudou de oito a dez anos.

Em São Paulo, Karolline Kawahara, de 35 anos, tem curso superior (é formada em comunicação), licenciatura e pós-graduação. Fala bem o inglês e um pouco de japonês. Mesmo assim, está desempregada há quatro anos, desde que voltou do Japão. Situação semelhante é vivida pela professora de português Virgínia Margarete, de 49 anos. Formada em letras, está desempregada há um ano e meio. Começou a procurar emprego há seis meses, após fazer um MBA em comércio exterior.

¿ Já mandei mais de 120 currículos, mas até agora nada. Gentilmente falam que sou especializada e que não me encaixo na vaga ¿ conta Virgínia.

Não há demanda para essa qualificação na região que tem a segunda maior parcela de trabalhadores com nível superior entre os desempregados (9,1%, contra 8,6% da média das seis regiões).

¿ Encontro dificuldades quando digo que sou especialista em língua portuguesa e literatura. Dizer que tenho especialização é quase uma ofensa. Por isso, falo só que tenho curso superior.

Já fui tratada como burra em uma empresa porque tinha curso superior e especialização, mas exercia cargo de operadora de telemarketing. Era o exemplo do que as outras não poderiam ser. Alguém que estudou muito, mas que não chegou a lugar nenhum ¿ reclama Karolline.

No Rio, Ubiratan Ferreira, aos 48 anos, está sem emprego com carteira assinada desde 2008. Trabalhava numa empresa de manutenção que prestava serviço para a Coca-Cola. O contrato acabou e, com ele, o emprego de Ferreira.

¿ A idade prejudica. Enquanto não consigo emprego, faço biscates.

Ferreira tenta vencer a falta de formação. Depois de concluir o ensino fundamental, cursa à noite o ensino médio.

¿ Estou me esforçando para progredir ¿ diz.

A qualificação nem sempre está ligada a um curso superior. Em Recife, a construção civil está no auge da contratação.

Aos 63 anos, Antônio Belo Camargo Neto está no seu primeiro emprego com carteira assinada, após 22 anos na informalidade. Em janeiro, inscreveu-se pela manhã na Agência do Trabalho de Pernambuco ao saber que faltavam carpinteiros no mercado.

¿ À tarde já estava empregado.

No canteiro de obras há quatro operários da mesma faixa etária.

O exemplo de Belo é um fenômeno que vem ocorrendo com frequência em Recife, onde a proporção de desempregados com mais de 50 anos é de 6%, inferior à média das seis regiões metropolitanas, que chega a 7%.

No Rio, a idade ainda é problema. A auxiliar administrativa Regina Aparecida da Silva completou o ensino médio e tem bastante experiência no comércio, mas acredita que tem sido preterida por ter 40 anos: ¿ Já perdi uma vaga de promotora de vendas para uma mocinha de 18 anos. Mesmo com experiência. Só encontro emprego temporário.

Em Recife, os mais jovens, entre 18 e 24 anos, são em maior escala entre os desempregados: 40,2%, contra 34,6% da média das seis regiões metropolitanas. O pernambucano Humberto de Sabóia Neto, de 23 anos, é um exemplo: ¿ Tenho 11 anos de estudo, já trabalhei como promotor de vendas, ajudante de serviços gerais e auxiliar de almoxarifado. Mas não acho trabalho porque sempre pedem qualificação.

Infelizmente os cursos são muito caros. O governo oferece carteira grátis de motorista, não consegui tirar a minha. Gastei R$ 600 na carteira, mas nem emprego de chofer eu arranjo.

Para o economista Waldir Quadros, professor da Unicamp especializado em mercado de trabalho, o país ainda está longe do pleno emprego.

¿ É muito prematuro afirmar isso.

Como o aquecimento da economia é na base da pirâmide, os trabalhadores querem ganhar mais. O setor de serviços, que sempre pagou salários baixos, sofre mais com isso. O mercado está favorável à recuperação salarial, mas nada que provoque pressões inflacionárias.