Título: Herança de desafios
Autor: Costa, Mariana Timóteo da
Fonte: O Globo, 20/06/2010, O Mundo, p. 32

Favorito no 2o- turno hoje na Colômbia, Santos deve assumir um país pobre e desigual

Nem os mais fiéis aliados da campanha de Antanas Mockus se atrevem a apostar num resultado diferente: hoje, no segundo turno das eleições presidenciais colombianas, quem deverá triunfar nas urnas é Juan Manuel Santos.

O candidato do Partido da U, aliado de Álvaro Uribe, está, de acordo com todas as pesquisas de opinião realizadas do primeiro turno em 30 de maio para cá, com mais de 65% das intenções de voto, contra menos de 30% de Mockus. Santos herdará de Uribe um governo que, nos últimos oito anos, sem dúvida transformou a Colômbia, principalmente na área da segurança, imprimindo ¿ muitas vezes com a ajuda de Santos, que foi seu ministro da Defesa ¿ duros golpes tanto na guerrilha como na extremadireita. Pela primeira vez em mais de quatro décadas de conflito, esses grupos guerrilheiros deixaram de ser protagonistas, apesar de ainda atuantes.

Mas o provável novo presidente terá muitos desafios pela frente, como lembra o analista político León Valencia, colunista dos jornais ¿El Tiempo¿ e ¿El Colombiano¿.

¿ As grandes expectativas são se ele resolverá o que Uribe não resolveu, principalmente na área econômica, e se conseguirá se distanciar de seu antecessor em áreas em que o atual governo adotou posturas bastante controversas com respeito ao Poder Judiciário, defesa dos direitos humanos, combate à corrupção e boa relação regional.

Na economia, a Colômbia é um dos países mais desiguais da região: a pobreza atinge quase 70% da população, o desemprego é de mais de 12%, e 60% vivem de trabalhos informais.

Santos promete formalizar 500 mil empregos e criar mais de 2,5 milhões de novos postos de trabalho com carteira assinada. Segundo analistas, este foi um dos grandes trunfos de sua campanha.

¿ Outra questão importante é o problema da concentração de terra, que não só gera pobreza e milhões de refugiados como conflitos graves no campo ¿ lembra o cientista político Francisco Miranda.

De acordo com um relatório divulgado esta semana pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), o drama dos 3,3 milhões de deslocados internos colombianos é ¿uma das principais crises do gênero no mundo¿ , perdendo apenas para a do Sudão.

Pressão de fora pelo fim da guerra

As causas são deslocamentos forçados pela disputa territorial entre guerrilheiros e paramilitares por corredores do narcotráfico, combates entre Exército e a guerrilha ¿ incrementados com a a política de segurança do atual governo ¿ fumigações em áreas de cultivo ilícito, violência sexual contra mulheres e crianças, e recrutamento forçado por parte de grupos armados.

¿ A guerra ainda existe, apesar de os envolvidos saberem que não podem mais tomar o poder pelas armas.

Santos precisará entender que o Estado não foi e não será capaz de vencê-la somente pela via militar ¿ enfatiza León Valencia.

A pressão internacional para isso é grande, e vem de países como o Brasil e os Estados Unidos, cuja política de Barack Obama tem uma ¿agenda muito mais dupla¿, segundo o analista, combinando políticas antiguerrilha e antinarcotráfico: ¿ Enquanto a de Uribe, assim como a de seu grande aliado americano, o ex-presidente George W.

Bush, era focadas muito mais na ¿guerra ao terror¿.

Interessaria também para a Colômbia, segundo o próprio Santos, se reaproximar dos vizinhos Venezuela e Equador ¿ relações que estão deterioradas desde 2008. A Venezuela, por exemplo, que importava mais de US$ 6 bilhões da Colômbia, hoje compra 70% menos.

Outro grande desafio ¿ ¿talvez o mais difícil¿, segundo muitos analistas ¿ é que Santos respeite mais as relações entre o Executivo e o Judiciário.

Em oito anos de governo, Uribe criticou, tentou intervir ou mesmo interveio em diversas investigações e decisões dos tribunais. Os casos são muitos: crimes de corrupção e clientelismo; julgamento de paramilitares e congressistas envolvidos no escândalo da parapolítica; punição de militares que cometeram assassinatos e violações aos direitos humanos. Mais recentemente, escândalos como o dos grampos telefônicos, no qual funcionários do alto escalão da Casa de Nariño aparecem envolvidos.

É a coisa do ¿nem tudo vale¿ que a campanha de Mockus tanto explorou.

Muita gente se mostra descontente com a forma com que Uribe usa os meios para atingir os fins.

Santos, no entanto, promete mais separação de poderes.

¿ Mas eu não acredito que isso não vá ocorrer, porque a compra desta briga é grande. Além do mais, a ascensão de Santos na campanha mostrou que os colombianos não estão muito preocupados com isso, se não teriam votado em Mockus. Essas questões preocupam muito mais a comunidade internacional, os intelectuais ¿ analisa Francisco Miranda.