Título: Ficha Limpa: burocracia atrapalha punição
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 21/06/2010, O País, p. 4

Desde a promulgação da Constituição de 1988 até hoje, só dois políticos foram condenados pelo STF

BRASÍLIA.O Supremo Tribunal Federal (STF) guarda em suas prateleiras milhares de processos ainda não julgados contra políticos brasileiros ¿ que, se não forem condenados por nenhum outro tribunal, poderão ficar livres para concorrer às eleições deste ano, sem serem afetados pela Lei da Ficha Limpa. Alguns desses políticos colecionam ações na mais alta Corte do país sem nunca terem sido condenados por lá.

O deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), por exemplo, responde a cinco ações penais e a cinco inquéritos. Entre os crimes dos quais é acusado estão desvio de dinheiro público, peculato, falsidade ideológica e formação de quadrilha. A mais antiga ação penal contra Jader chegou ao STF em 2003. O inquérito mais antigo, em 1997.

Deputado responde a dez ações penais e 11 inquéritos O deputado Neudo Campos (PP-RR) é outro que nunca foi condenado pelo STF, mesmo tendo atingido a impressionante marca de dez ações penais e 11 inquéritos, nos quais responde por crimes como peculato, formação de quadrilha, fraude em licitação e compra de votos. A ação e o inquérito mais antigos contra ele chegaram à Corte no mesmo ano: 2007.

O senador Marconi Perillo, também oficialmente com a ficha limpa no STF, responde a três inquéritos e duas ações penais na Corte. São crimes de corrupção, prevaricação, abuso de autoridade e tráfico de influência. O senador Ernandes Amorim (PTB-RO) responde a três ações penais e a quatro inquéritos.

Entre os crimes a ele atribuídos estão desacato e fraude à Lei de Licitações.

Já o senador Romero Jucá (PMDB-RR) responde a um inquérito por compra de votos.

O ex-presidente e senador Fernando Collor (PTB-AL), embora tenha sido absolvido no STF por casos de suposta corrupção em seu governo, responde a duas ações penais no STF, ambas datadas de 2007. Entre os crimes a ele atribuídos estão corrupção e falsidade ideológica.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, o STF condenou apenas duas autoridades e em julgamentos realizados somente este ano. O deputado Zé Gerardo (PMDB-CE), por crime de responsabilidade, foi punido com o pagamento de multa no valor de R$ 25,5 mil. Ele terá que prestar uma hora diária de serviços à comunidade por dois anos e dois meses. O segundo condenado, e pelo mesmo crime, foi o deputado Cássio Taniguchi (DEM-PR), que, no entanto, não foi punido: a possibilidade de punição prescrevera na data do julgamento.

O foro privilegiado guarda uma brecha para a impunidade.

Se um parlamentar estiver prestes a ser julgado, ele tem o direito a renunciar ao cargo. Com isso, o STF é obrigado a transferir o processo para a primeira instância do Judiciário, mesmo às vésperas do julgamento. Na primeira instância, a burocracia prevê uma série de providências que adia ainda mais o julgamento do parlamentar.

Foi exatamente o que aconteceu com Ronaldo Cunha Lima.

Em outubro de 2007, quando o STF marcou a data do julgamento que poderia condenálo, o então deputado renunciou ao mandato. Ele respondia, desde 1995, por tentativa de homicídio contra seu adversário político Tarcísio Buriti.

O processo foi remetido para a primeira instância da Justiça comum da Paraíba, que ainda nem marcou seu julgamento.

O crime deve prescrever ainda este ano.

Na época da renúncia, ministros da Corte reclamaram, mas a regra continua a mesma.

Há o receio de que políticos condenados no processo do mensalão utilizem esse mesmo recurso na véspera do julgamento para escaparem de uma eventual condenação