Título: Reforma possível
Autor: Vidor, George
Fonte: O Globo, 21/06/2010, Economia, p. 18

Somente beneficiários que recebem o piso ¿ equivalente ao salário mínimo ¿ não têm motivo para se queixar da previdência oficial. Ainda assim, qualquer tentativa de mudança capaz de fazer os gastos do INSS caminharem no mesmo compasso da arrecadação acaba esbarrando na resistência da maioria dos atuais segurados, sentimento que se reflete nas decisões do Congresso.

No imaginário popular a aposentadoria é o estágio da vida onde se alcança a independência financeira.

Ao alcançá-la, o cidadão se sente dono de si. Mas na prática, não é o que acontece para a grande maioria, pois essa independência financeira só virá se, com o passar dos anos, cada pessoa constituir, ou multiplicar, um patrimônio familiar suficiente para manter um padrão ao menos próximo do que usufrui enquanto trabalhar.

A renda de boa parte dos brasileiros não permite a formação dessa poupança. Já é um tremendo ganho quando, em esforço conjunto, a família consegue construir um imóvel ou quitar integralmente o financiamento da casa própria, com um automóvel na garagem. Daí que a aposentadoria pelo INSS acaba alimentando muitas expectativas. E ilusões.

A propósito, quando comecei no jornalismo, aos 16/17 anos, o funcionário do departamento de pessoal do antigo ¿Correio da Manhã¿ insistia para que levasse logo a minha documentação (como menor de idade, não tinha sequer carteira de trabalho, nem me preocupara com isso). Mais calejado, meu colega do departamento que depois evoluiria para o que é hoje a área de RH (recursos humanos), aconselhava: ¿esse período sem carteira assinada vai lhe fazer falta quando você for se aposentar¿.

E eu pensava comigo mesmo: se daqui a uns trinta e tantos anos ainda existir INPS (na época era assim que se chamava o atual INSS) o Brasil nada terá progredido...

Que ingenuidade. Passaramse mais de 40 anos, e volta e meia escrevo aqui sobre a reforma da previdência.

E, ao que tudo indica, o tema estará na pauta pelos próximos dez anos.

Pois bem, essa expectativa em relação à aposentadoria pelo INSS sempre se relacionou ao salário mínimo.

O teto das contribuições, que correspondera a vinte salários mínimos, acabou sendo reduzido para dez, no bojo da inflação aguda que envolveu a economia brasileira por décadas.

Os segurados continuaram associando suas contribuições à previdência a um certo múltiplo de salários mínimos e, por isso, esperam receber um benefício equivalente a tantos mínimos. Se contribuiu pelo teto, espera ter um benefício equivalente a dez salários mínimos (o que corresponderia hoje a cerca de R$ 5 mil) e manter esse múltiplo enquanto viver.

Embora seja algo muito forte no imaginário popular, tal vínculo não existe na legislação que rege o sistema previdenciário. O benefício é calculado conforme uma média das contribuições a partir de 1994, considerandose as 80% mais altas. A fórmula considera o tempo que o segurado contribuiu e a idade em que requereu a aposentadoria (porque é preciso compatibilizar o tempo de contribuição com o número de anos em que hipoteticamente ele receberá o benefício, simulado a partir da expectativa média de vida no país, projetada pelo IBGE a partir de contagens populacionais).

Para quem se aposenta mais cedo, o benefício sofre uma redução estabelecida pelo chamado fator previdenciário, pois, em tese (pela expectativa média de vida), receberá o benefício por mais anos.

Estatisticamente, o segurado terá um mesmo montante de benefícios, no fim das contas, aposentando-se mais cedo ou mais tarde. Se optar pela antecipação, o valor mensal será mais baixo, porém o benefício será pago por mais anos. Se postergar a aposentadoria, o valor mensal do benefício aumenta, mas será pago por menos anos. O que muda para a previdência é o fluxo de caixa.

Aposentadorias precoces trazem para o presente pagamentos que somente seriam feitos no futuro.

Na prática, o que interessa para cada aposentado é se o benefício cobre seus gastos ou não. Dificilmente isso acontecerá se a única fonte de renda do aposentado for o benefício do INSS.

E aí surge mais um problema.

Servidores públicos estatutários, não sujeitos ao regime geral da previdência (INSS), podem ser aposentar com seu último vencimento, integral, desde que tenham 35 anos (homens) ou 30 anos (mulheres) de contribuição, e completem, respectivamente, 60 ou 55 anos de idade ¿ a regra exige ainda 20 anos de serviço público (e cinco anos na última função).

Quando param de trabalhar, os servidores não se aposentam. Eles se tornam inativos, de modo que seus vencimentos sempre têm equivalência com os que permanecem na ativa. No caso da INSS, a única garantia é a correção pelos índices de inflação.

Essa diferença de tratamento é um dos atrativos do serviço público, mas sempre causa indignação entre os que estão no regime geral (INSS).

A controvérsia em torno da previdência seria resolvida se a maioria dos segurados pudesse poupar para si mesmos, de maneira parecida com o que é feito no Chile ¿ preservandose mecanismos de assistência social para os que se aposentam por idade.

Mas os custos de transição de um regime como o atual para a chamada capitalização individual seriam muitos elevados.

A reforma possível é a que estabelece uma idade mínima para os segurados se aposentarem por tempo de contribuição, como a que existe agora na França. O expresidente Fernando Henrique Cardoso costuma dizer que, se pudesse voltar atrás, concentraria seu esforço político, em relação à previdência, na fixação de uma idade mínima para esses segurados.

Começaria com 60 anos, o que é bem razoável para a expectativa média de vida dos brasileiros.