Título: Sem freio no crescimento
Autor: Spitz, Clarice ; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 16/06/2010, Economia, p. 21

Após recuo em abril, país voltou a se expandir em maio. Analistas veem superaquecimento e juros maiores

Oesperado freio na economia brasileira, depois de um crescimento de 11,2% anualizado no primeiro trimestre, durou apenas um mês. Os indicadores de atividade econômica que recuaram em abril voltaram a crescer em maio, alguns para patamares recordes. Já é assim para a produção de veículos. Em maio, foram fabricados 310 mil carros, a segunda maior produção da série histórica da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que existe desde 1980. E as quedas registradas em abril no consumo de energia, na produção de papel ondulado (usado em embalagens) e no fluxo de veículos pesados (que mostra o movimento de cargas nas rodovias) já estão com sinal positivo em maio.

Esses indicadores são um termômetro da economia e costumam antecipar o resultado do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país).

- A queda temporária em abril não muda nossa visão de que a economia ainda está muito aquecida. A leitura de que os juros não precisam ser elevados é equivocada. Os riscos de a inflação subir continuam - afirma Luiza Rodrigues, economista do Santander.

Nas contas do banco, o PIB no segundo trimestre crescerá 1,2% frente aos três primeiros meses do ano, já com ajuste sazonal. Isso depois de ter avançado 2,7% no primeiro trimestre - o que significa uma taxa anualizada de 11,2%. O Santander prevê um crescimento de 7,8% da economia brasileira este ano, e já há analistas estimando uma alta superior a 8%.

Copa ajuda nas vendas do comércio

Para Leonardo Carvalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a tríade aumento do salário mínimo, mercado de trabalho aquecido e farta oferta de crédito garantem o cenário positivo para a economia:

- Acredito que o PIB vai arrefecer, mas não tanto. As perspectivas continuam boas, mas é melhor crescermos num patamar mais próximo do nosso PIB potencial (em ritmo mais lento).

Ontem, ao sancionar o reajuste de 7,7% para os aposentados que ganham acima do mínimo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acabou dando mais um empurrão para a economia. O aumento será aplicado a 8,2 milhões de benefícios, entre aposentadorias e pensões, representando mais de R$813 milhões por mês injetados na economia.

No varejo, as vendas do segundo trimestre contaram com um fator a mais para manter o ritmo acelerado: o efeito Copa. A Confederação Nacional do Comércio (CNC) estima que o faturamento do setor cresceu 0,7% em maio, frente a abril, e fechará o segundo trimestre com alta de 1,5%.

- É um crescimento que vai continuar bom, mas abaixo do primeiro trimestre (4,8%) - disse Fabio Bentes, economista da CNC.

A entidade avaliou o impacto do Mundial sobre os diferentes segmentos do varejo e calcula que, só por conta da Copa, o setor de móveis e eletrodomésticos deve ter avançado 3% no mês passado, graças principalmente à venda de TVs. O segmento de equipamentos de informática e comunicação, que inclui celulares, deve ter registrado impulso, só por efeito da Copa, de 4,3%. No setor de hiper e supermercados, o impacto do Mundial será agora, em junho. Pelos cálculos de Bentes, o setor já deve partir de uma alta de 0,9% graças à Copa.

Vendas mais fortes no varejo, produção maior na indústria. No setor de eletroeletrônicos, a primeira Copa com celulares combinados à TV digital são o destaque. As vendas desses aparelhos cresceram 400% no primeiro trimestre. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) elevou a expectativa para 2010, para uma alta de 9% nas vendas domésticas.

- Houve um aquecimento do mercado interno, e as vendas se beneficiam da Copa. Brincamos que o jogo do Brasil você quer assistir na tela grande, mas que o jogo da Argentina você pode assistir no celular - disse Luís Cláudio Carneiro, diretor da Abinee.

A LCA Consultores, que calcula uma variação mensal para o PIB (os dados oficiais, do IBGE, só são divulgados por trimestre), projetou uma estabilidade em abril e maio, depois de uma forte expansão em março. Mesmo estável, o patamar médio dos meses de abril e maio já é 1,3% superior ao nível médio do primeiro trimestre, explicou o economista Francisco Pessoa, da LCA.

Nem mesmo a queda de 0,7% na produção industrial em abril, divulgada pelo IBGE no início deste mês, pode ser considerada um freio na economia, diz Fernando Monteiro, economista-chefe da Convenção Corretora. Como o IBGE revisou o crescimento da indústria em março, de 2,8% para 3,4%, o número de abril veio menor:

- Foi uma queda com gosto de alta. Os dados de maio já mostram volta da produção.