Título: Um dia a dia de improvisos e dificuldades
Autor: Tahan, Lilian; Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 23/06/2009, Política, p. 8

Ao lado de endereços nobres de Brasília, pessoas que dormem sobre escombros e se alimentam com restos sem nenhum constrangimento.

Janaína encontra uma agenda no lixão: uma rotina que ela nem imagina

Por semana, um chefe de família que trabalha no lixão do CCBB tira R$ 70. Em um mês, as toneladas de papel que os catadores separam não fazem o aluguel de um quarto ¿ R$ 300 em média ¿ na Vila Planalto, bairro próximo do CCBB. Quem vive exclusivamente dessa renda improvisa a moradia nas redondezas do lixão. Essa é a realidade de oito famílias que dependem do lixo da burocracia. Elas dormem em espumas sobre latas catadas. No lugar há um fogão a gás, com panelas infestadas de moscas. O cardápio: arroz, feijão, cuscuz. O suficiente para M., de apenas 12 anos. ¿Aqui ninguém passa fome não. Minha avó não deixa faltar nada, tem pasta de dente, escova, comida e eu tenho dois tênis de escola¿, diz, orgulhosa, a menina de poucas vontades.

Paralelo Terça-feira, 2 de junho. Um dia comum na vida de Mariana (*). Entre 9h e 9h30 a mulher que trabalha na Esplanada cumpre compromisso oficial. Daí até o fim da tarde, a servidora terá, pelo menos, nove compromissos agendados de meia em meia hora. Entre as tarefas: depilação, manicure, limpeza de pele, encomendar as alianças, o espelho, lavar o sofá, vacinar o filho. A folha estava entre as toneladas de detritos que alguns dias depois chegariam ao lixão do CCBB, onde Janaína, 31 anos, cumpre rotina diária sem brechas para sonhos ou vaidade.

No mesmo horário em que Mariana planejava ir ao salão de beleza, as mãos de Janaína procuravam o sustento nos sacos de lixo dos gabinetes oficiais. Mãe de quatro filhos, a rotina da catadora começa às 5h da manhã, quando ela acorda para fazer o almoço, antes de sair para o ¿cerrado¿. Duas horas depois, ela desperta e prepara os filhos para a escola. Todos estudam. Dois estão inscritos em programas sociais do governo. Janaína não lê e não escreve. A renda de R$ 270 complementa as despesas com o supermercado, motivo pelo qual mantém os filhos na escola.

Com o dinheiro do papel, a baiana de Rio de Pedras paga o aluguel de um quarto na Vila Planalto, onde dorme com a família. ¿Muito melhor do que a vida na roça¿, define Janaína. De bicicleta, a catadora vai e volta todos os dias para o lixão do CCBB. Entre as colegas, ela é considerada privilegiada, porque, em geral, as famílias que vivem das sobras dormem a poucos metros de onde estão depositadas as pilhas de sujeira.

(*) Nome fictício para preservar a identidade da dona da agenda.

O número R$ 70 Por semana é quanto um chefe de família retira com o trabalho no lixão