Título: Prevenção demorou a decolar
Autor: Moraes, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 23/06/2009, Brasil, p. 12

Especialista critica atuação do governo no combate ao avanço da doença. Anvisa anuncia reforço em portos e aeroportos

Atendentes que recebiam ontem os passageiros vindos de Buenos Aires no Aeroporto Juscelino Kubitschek já usavam máscara

O governo demorou para reforçar as ações de vigilância contra a gripe A H1N1 com passageiros que vêm do Mercosul para o Brasil. A avaliação é de especialistas ouvidos pelo Correio. De sexta-feira para cá, foram confirmados 109 novos casos da doença no país. Somente no Distrito Federal, o número de infectados pelo vírus saltou de três para 13 desde a semana passada.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou ontem que vai intensificar a prevenção nas áreas de fronteira, portos e aeroportos brasileiros, especialmente com passageiros que desembarcam da Argentina e do Chile.

Pelas novas regras, os passageiros terão de preencher um formulário, chamado de Declaração de Saúde do Viajante (DSV). A ideia é ampliar o monitoramento dos passageiros que entram no país. O documento será obrigatório para a entrada no território brasileiro, no caso dos passageiros que vêm do Mercosul.

O formulário será entregue dentro do avião e deverá ser apresentado no desembarque. A Anvisa vai colocar ao todo 500 mil formulários nos locais com grande fluxo de passageiros. As empresas aéreas terão ainda que fornecer a lista de passageiros no desembarque. O governo também deve remanejar funcionários para reforçar o efetivo no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, e em pontos de fronteira.

O infectologista e professor da Universidade de Brasília (UnB) César Carranza avalia que o governo devia ter anunciado essa decisão antes, logo após a constatação do aumento de casos confirmados da doença nos países da América do Sul. ¿Esse cuidado deve ser tomado para ter maior controle da propagação da doença¿, afirma.

O especialista disse que viajou para o Peru há duas semanas e preencheu formulários de controle no país para declarar se estava ou não com sintomas da doença. Mas, na volta ao Brasil, o procedimento não foi adotado. ¿Mais de 80% dos casos da gripe suína confirmados entre os brasileiros são de pessoas que vieram do exterior. Por isso, temos que buscar esse tipo de prevenção¿, afirma.

O infectologista Artur Timerman atendeu ontem em seu consultório, em São Paulo, dois pacientes com sintomas da nova gripe. Eles retornaram da Argentina recentemente ¿ um na sexta-feira e o outro no domingo. ¿Acho que as medidas anunciadas pelo governo hoje (ontem) poderiam ter vindo antes e são necessárias para conter o avanço da doença.¿

O Ministério da Saúde informou que não havia nenhuma justificativa para reforçar a vigilância nas fronteiras do Mercosul antes. E que todas as medidas adotadas seguem critérios técnicos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com o ministério, a medida anunciada ontem ocorreu devido ao aumento no número de casos, principalmente na Argentina e no Chile.

Na Argentina, sete pessoas já morreram por causa da gripe A. O número de casos confirmados passa de 1.100. No Chile, houve menos mortes ¿ quatro. Mas o número de infectados supera a marca de 4 mil.

Desde sexta-feira, o número de casos de gripe A H1N1 confirmados no país aumentou de 131 para 240, segundo o Ministério da Saúde. No Distrito Federal, as confirmações saltaram de três na semana passada para 13, conforme o boletim divulgado ontem pela Secretaria de Saúde. O órgão informou que boa parte dos infectados esteve na Argentina no último feriado, o que explicaria o aumento repentino.

O infectologista David Uip afirma que a chegada do inverno também é um fator que contribui para a propagação do novo vírus ¿ assim como acontece com a gripe comum. ¿O aumento era esperado. Com o inverno, as pessoas ficam mais aglomeradas e a imunidade diminui, o que é favorável ao vírus. Também acredito que as viagens no último feriado possam ser um dos motivos para o aumento no número de casos¿, afirma Uip. Ele avalia que as medidas do governo em relação aos passageiros do Mercosul são uma maneira eficaz de manter a doença sob controle. ¿Até porque não adianta restringir viagens¿, avalia.

A preocupação dos especialistas é quanto à propagação. Embora o H1N1 tenha demonstrado baixo grau de letalidade, eles afirmam que a proliferação ajuda a fortalecer o vírus. ¿Parece ser um de rápida mutação, que vem da mesma linha do que causou a gripe espanhola¿, avalia o infectologista Cesar Carranza.

Ponto crítico

Você acha que as medidas adotadas pelo governo brasileiro contra a gripe suína estão no caminho certo?

SIM Artur Timerman

O médico infectologista Artur Timerman avalia que o governo está no caminho certo quanto ao trabalho de orientação e combate à gripe A H1N1. Para ele, o Ministério da Saúde tem adotado a linha da pervenção sem pânico. Ele diz que retornou da Europa na semana passada, e ouviu avisos sonoros no avião e viu agentes sanitários na área de desembarque. ¿Acho que talvez a única crítica seja em relação à divulgação dos casos novos, se são pessoas que apresentaram sintomas recentemente ou se são exames feitos com amostras recolhidas há mais tempo e cujos resultados só saíram agora. Quanto ao resto, acho que está indo bem. No aeroporto, há informações aos passageiros, funcionários na chegada. Na Europa, percebi que as autoridades estão em alerta, mas parecem estar mais.¿

Médico infectologista

NÃO Cesar Carranza

O infectologista e professor da UnB César Carranza critica a postura do Ministério da Saúde no combate à gripe A H1N1, principalmente devido ao surgimento de 109 novos casos desde a última sexta-feira. Ele avalia que, após a sinalização de que o vírus não é tão letal quanto se pensava, a preocupação com a doença também diminuiu. ¿Acho que faltou orientação e faltou inisistência por parte do governo. Falta insistir mais na prevenção da doença. Faltou chamar mais a atenção porque a doença é potencialmente letal. Eu acho que a publicidade das primeiras semanas foi bastante intensa. Posteriormente, o governo relaxou e agora novamente está sendo retomado justamente pelo aumento dos casos. Houve um relaxamento geral. Já há países que, antes de entrar no território, tem que preencher um documento para dizer que não tem sintoma nenhum.¿

Infectologista e professor da UnB

Mudança na rotina

Os casos de gripe A têm causado mudanças na rotina de escolas e até de uma grande mineradora. A Vale colocou 90 funcionários em período de quarentena domiciliar após a confirmação de que um funcionário que presta serviço à empresa foi infectado pelo vírus da nova doença. Os empregados retornam somente na próxima segunda-feira. E o andar onde eles trabalham, no Edifício Santos Dumont, no centro do Rio de Janeiro, foi isolado pela companhia.

No Rio Grande do Sul, um tradicional colégio de Porto Alegre suspendeu ontem as aulas por uma semana. A decisão foi anunciada um dia depois de a Secretaria de Saúde estadual confirmar que um aluno também contraiu o vírus. Ele chegou da Alemanha na semana passada e participou das aulas.

Em São Paulo, mais um colégio decidiu antecipar as férias ontem pelo mesmo motivo. Ao todo, três escolas da capital paulista suspenderam as aulas por causa da gripe A. Uma escola em Belo Horizonte também antecipou ontem o recesso após a confirmação de que alunos contraíram a doença.