Título: Renda melhora. Falta a carnezinha
Autor: Ribeiro, Fabiana; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 24/06/2010, Economia, p. 23

Ganho dos brasileiros sobe 21%, mas pesquisa mostra que 35% não comem o suficiente

Fabiana Ribeiro, Cássia Almeida, Clarice Spitz e Letícia Lins RIO e IPOJUCA (PE)

A vida do brasileiro melhorou nos últimos seis anos. Há mais folga no orçamento, uma cesta mais sofisticada de alimentos, engordada por mais carne, legumes e frutas, e uma distância menor entre pobres e riscos, mostrou a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), de 2008/2009, divulgada ontem pelo IBGE. Por trás de um cenário menos desigual, está um mercado de trabalho mais aquecido, que permitiu um avanço de 10,8%, já descontados os efeitos corrosivos da inflação, nos rendimentos mensais das famílias brasileiras nesse período ¿ de R$ 2.494,25 para R$ 2.763,47. Considerando o rendimento familiar per capita, o ganho real é ainda maior, de 21,54%, segundo cálculos do economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Os avanços, contudo, não conseguem ofuscar as várias mazelas sociais do país. Como o fato de mais de um terço das famílias brasileiras enfrentarem em algum momento a fome: 35,6% dos entrevistados afirmaram que nem sempre comem uma quantidade suficiente de alimentos.

E só um quarto das famílias tem o orçamento equilibrado. São números melhores que os da POF anterior, de 2002/2003, quando 47% se queixavam da quantidade de alimentos consumidos e 85% afirmavam ter dificuldades para não fechar o mês com as contas no vermelho.

¿ Mais famílias estão com seu orçamento equilibrado. Uma consequência de aumento de renda, de ocupação, de formalização, de ganhos do salário mínimo ¿ resumiu Marcia Quintslr, coordenadora de Trabalho e Renda do IBGE.

No Nordeste, metade diz comer mal

A avaliação subjetiva dos brasileiros sobre as dificuldades para fechar as contas no fim do mês está amparada nos dados objetivos sobre os rendimentos e as despesas das famílias. Em 2002/2003, a POF constatou que 85,3% das famílias tinham gastos superiores aos seus ganhos.

Agora, essa parcela caiu para 68,4%.

Melhorou, mas ainda está longe do ideal, avaliam especialistas.

¿ Avançamos. Mas o Brasil ainda está cheio de problemas sociais, e alguns são simplesmente inaceitáveis ¿ afirmou Neri.

Para o economista Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o rendimento teve uma melhora ¿colossal¿: ¿ O espetáculo do crescimento foi total. As Pnads (Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios, realizadas anualmente) já vêm mostrando isso.

Conforme o próprio texto da pesquisa do IBGE, a satisfação das famílias com a quantidade de alimentos consumidos ¿teve uma melhora robusta¿, subindo de 53% para 64,5%. Mas as desigualdades regionais persistiram e, no Nordeste, quase metade das famílias, ou 49% (em 2003, eram 60,8%), declarou que há insuficiência na alimentação.

Já no Sul, esse grau de insatisfação era de apenas 22,9%.

Além de comerem menos do que gostariam, muitos brasileiros estão insatisfeitos com a qualidade do cardápio: 65% declararam algum grau de insatisfação com o tipo de alimento consumido. Na POF de 2002/2003, a insatisfação atingia 73,2% dos brasileios.

O trabalhador rural José Antônio Santana, de 42 anos, está entre os brasileiros insatisfeitos com o que conseguem colocar na mesa. Ele corta cana no Engenho Conceição, em Ipojuca, a 57 quilômetros de Recife, onde os rendimentos líquidos chegam a apenas R$ 180 por quinzena, ¿descontados o INSS e o sindicato¿.

¿ Tem bastante coisa que tenho vontade de comer, mas não posso. Eu sonho com uma carnezinha melhor, mas sempre troco pelo peixe salgado, que é mais barato e custa só R$ 5 o quilo. De noite, também não tem muita comida. Queria mesmo era tomar um cafezinho com um pedaço de bolo, um cuscuz, mas sempre como só três ou quatro bolachinhas com o (café) preto e vou dormir ¿ reclama.

Também moradora do engenho Conceição Velho, Maria Luiza Mendes de Siqueira e sua família de sete pessoas sobrevivem com pouco mais de um salário mínimo que o marido recebe, como conferente da usina. Ela afirma que hoje a família come mais do que no passado, mas que mesmo assim não está satisfeita: ¿ Café bom é café farto, com inhame, cuscuz, pão, bolacha. Mas aqui cada dia é uma coisa, e não tem luxo de queijo nem iogurte.