Título: A reforma que não querem fazer
Autor: Verdini, Liana
Fonte: Correio Braziliense, 23/06/2009, Economia, p. 14

Proposta de mudança no sistema tributário que está no Congresso é inviável. Em contrapartida, a Lei já tem mecanismos que simplificam a vida do contribuinte

A reforma tributária é tema de uma reunião de líderes de partidos na Câmara dos Deputados hoje à tarde. De um lado, a base governista trabalha para aprovar a matéria, de preferência ¿ainda neste semestre¿, conforme o líder do governo na casa, Henrique Fontana (PT-RS). DE outro, a oposição reticente, interpreta o discurso governista como ¿jogo de marketing¿, de acordo com líder do DEM, Ronaldo Caiado (DEM-GO). No meio dessa discussão está o contribuinte ansioso por uma solução capaz de reduzir a burocracia e a carga tributária ao mesmo tempo.

Hoje, lembra Bianca Xavier , professora e coordenadora do curso de direito tributário da Fundação Getulio Vargas (FGV), o mesmo contribuinte para o Fisco da União, do estado e do município onde está instalada sua empresa. ¿Mas já existem convênios para que os Fiscos troquem informações entre si. Por que isso não entra em vigor? Isso sim facilita, e muito, a vida do contribuinte¿, diz ela. ¿E nem precisa de mudança na Constituição...¿ Outra alteração capaz de facilitar a vida do cidadão pode ser feita por uma lei simples: ela estabeleceria regras para a administração tributária, definindo a quem cabe a fiscalização, o recolhimento, a emissão de certidões, etc.

O contribuinte também ficaria bastante satisfeito com outra proposta sugerida pelo sócio da BM&A Consultoria Tributária, Sérgio André Rocha. ¿Uma reforma no sistema de consulta à Receita. Hoje, como ela não tem prazo para responder, a resposta pode demorar até seis meses¿, diz ele. ¿O ideal é criar um canal de atendimento online, um chat ou algum instrumento de atendimento rápido. Isso reduziria os litígios e melhoria, e muito, o relacionamento da Receita com os contribuintes¿, completa.

Mas a proposta que está na Câmara não parece caminhar nessa direção . ¿Estão aproveitando o momento para colocar tudo na Constituição, inclusive o que já foi objeto de decisão¿, avalia a professora da FGV.¿ Reforma tributária não é panacéia para todos os males¿, alerta Everardo Maciel, que já comandou a Secretaria da receita Federal. ¿Nessa proposta vemos uma completa dissociação entre o que a sociedade deseja e o que está proposto: a sociedade quer pagar menos impostos e de forma simplificada¿, diz ele. ¿E quem propõe quer incluir tudo na proposta. Virou uma colcha de retalhos.

Contradições

Em um artigo a proposta extingue o Imposto sobre Grandes Fortunas, que nunca chegou a ser implementado no país. Mas alguns artigos depois, cria a Contribuição sobre Grandes Fortunas. ¿Qual é o sentido disso? Desde 1988 está previsto, mas nunca foi aplicado. E o que é o governo entende por grandes fortunas?¿, questiona a professora da FGV. Para o sócio da BM&A Consultoria Tributária, Sérgio André Rocha, o ideal seria ter os princípios gerais e regras de conflito na Constituição e o desenvolvimento do sistema viria em leis infraconstitucionais. ¿Acho que falta uma discussão conceitual preliminar: afinal, queremos ter um sistema engessado na Constituição ou um mais flexível?¿

Para o ex-secretário da receita, a simplificação tributária deveria vir por meio de leis ordinárias. ¿É preciso simplificar o Supersimples, cujas regras ficaram extremamente complexas para os empresários e também as normas sobre PIS e Cofins¿, diz Maciel. ¿Foram acrescentadas tantas obrigações para o contribuinte sobre esses impostos que agora é hora de fazer o caminho inverso.¿

Há, porém, um artigo bastante elogiado e que agrada em cheio aos contribuintes em geral: a criação de um Código de Defesa do Contribuinte. ¿É um desejo antigos e todos nós. Alguns estados se anteciparam e criaram seus próprios códigos, como Minas Gerais¿, ressalta a professora. ¿É evidente que não precisaria estar na Cosntiuição. Mas é um assunto importante e que vai ao encontro do que desejam os contribuintes. O código deve regular a forma como o contribuinte e o Estado vão se relacionar.¿

Segundo ela, hoje, a via-crucis é grande demais para quem precisa fazer uma consulta ou tirar uma simples certidão. ¿Muitas vezes é preciso recorrer ao Judiciário para obter uma certidão negativa, porque a Receita não tem agilidade para reconhecer que o contribuinte está em dia com suas obrigações. Por isso regulamentar esta relação é tão importante para todos.¿

Só no papel

Mas a intenção do governo de aprovação a reforma dificilmente sairá do plano do desejo. A oposição está convencida de que a proposta não serve nem para iniciar um debate. ¿A proposta do Sandro Mabel (PR-GO) não dá para ser corrigida. Já dissemos isso. E não me parece ter algo de novo, além do desejo da base governista de aprovar a matéria¿, diz o líder do PSDB na Câmara, deputado José Inácio (SP). ¿Se não há nada de novo, para que vamos nos reunir?¿

Para o líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO), trata-se de um projeto ¿incorrigível¿. A ideia de criar um fundo para ser repassado aos estados que perderem receita não funciona. Estamos escaldados. Vimos o que aconteceu na Lei Kandir. Os recursos nunca foram repassados. Só o meu estado Goiás, perdeu 20% de arrecadação com a isenção de ICMS para produtos exportados.¿ Ele ressalta que não foi apresentada qualquer planilha com a previsão de arrecadação e de quanto o contribuinte pagará. ¿Essa proposta não dá qualquer garantia ao contribuinte¿, afirma. ¿Trata-se de um jogo de marketing deste governo de factoides.¿

Contraponto