Título: Nas escolas técnicas, infraestrutura precária
Autor: Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 27/06/2010, O País, p. 16

Vitrine do governo Lula, ensino profissional também padece com escassez de recursos para qualificação de professores

BRASÍLIA. Celebrada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um dos programas educacionais mais bem sucedidos de sua gestão, a expansão do ensino profissional ainda não foi capaz de resolver problemas crônicos de infraestrutura nas escolas técnicas do país. Sem contar a disparidade entre o dinheiro investido em obras e o aplicado na formação de docentes: desde 2008, o governo já destinou R$ 1,1 bilhão para levantar prédios e construir laboratórios, mas empenhou apenas R$ 44 milhões na qualificação de profissionais.

Entre 2003 até o final de 2010, o número de escolas técnicas saltará de 141 para 354.

Já as matrículas na rede federal quase dobraram e passaram de 113.639 para 219.982, entre 2003 e 2009. Os institutos federais adotaram como prioridade integrar o conhecimento técnico ao ensino médio, além de incentivar jovens e adultos, que completaram apenas o ensino fundamental, a procurarem vagas nos cursos profissionalizantes.

Depois da visita do presidente Lula ao Instituto Federal em Planaltina, a 35 quilômetros de Brasília, em fevereiro de 2009, os 498 alunos comemoraram a promessa de novas instalações e a ampliação dos centros de treinamento, voltados para a prática agropecuária. A reforma dos alojamentos, que abrigam 160 jovens, era uma das prioridades dos estudantes.

Prédio de alojamento racha

Em março deste ano, o novo alojamento estava pronto. Menos de dois meses depois, o prédio rachou, e foi condenado pelos engenheiros. De volta à casa antiga, com chuveiros quebrados e camas em péssimo estado de conservação, os alunos não sabiam que estiveram expostos ao risco de uma tragédia.

O prédio, além de inacabado, está sob suspeita de ter sido construído sem concreto armado.

Na semana passada, O GLOBO esteve no prédio e encontrou pedreiros trabalhando na reforma. Os alunos reclamaram das péssimas condições das instalações.

¿ Logo depois que a gente chegou, o prédio começou a rachar. Tivemos que voltar às pressas para esse alojamento aqui. É essa situação que vocês estão vendo. Os professores melhoraram, mas a estrutura continua péssima. Pelo que nos prometeram, a melhoria foi mínima relata Marcos Moreira, 18 anos, aluno do 3oano do curso de técnico agropecuário, integrado ao ensino médio.

O pró-reitor de administração, Luis Roberto Costa, garantiu que a empresa será responsabilizada, caso a irregularidade se confirme.

¿ Temos que manter essa estrutura de pé até para ter provas, caso tenha ocorrido irregularidades. Esse prédio precisa funcionar. Não dá para deixar os alunos sem acomodação ¿ lamenta.

Com um orçamento de R$ 4,8 milhões para investimentos neste ano, a diretora Ivone Moreyra calcula que precisaria do dobro para cumprir o plano de obras. Em 2011, ela pretende inovar: espera arrecadar R$ 400 mil com a venda da produção de milho, iogurte e outros alimentos produzidos pela escola. Também passará a cobrar uma taxa de R$ 100,00 por mês dos alunos que moram na escola.

Em fevereiro, durante a inauguração conjunta de 78 escolas técnicas de educação, num evento em Brasília, o presidente Lula classificou a expansão da rede profissional como ¿um milagre do governo¿.

¿ Veja o milagre que nós fizemos até sem saber. Conseguimos transformar a questão da educação, que era quase um problema social, num problema político ¿, disse Lula, à época, referindo-se à procura de prefeitos por verbas para construir esse tipo de escola em suas cidades.

A recém-inaugurada escola técnica de Luziânia (GO), contabilizada como pronta pelo Ministério da Educação, ainda é um extenso canteiro de obras. Apenas cinco salas funcionam precariamente, numa área de 5.500 metros quadrados, com previsão de laboratórios, ampla biblioteca e áreas de convívio. Segundo a direção, os cursos só começam para valer em agosto.

¿ A empresa disse que entregaria a obra em abril, mas atrasou e ficou para agosto ¿ explica o diretor, Jerônimo Rodrigues da Silva.

O MEC admite que 35 escolas, já inauguradas, ainda não estão em funcionamento. Segundo o ministério, o atraso ocorreu porque os novos professores concursados assumem só em agosto.

Para o presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), Francisco Cordão, apesar dos percalços, o programa de expansão é bem-sucedido.

Diferentemente da estratégia de qualificação dos professores. Ele afirma que é irrisório o número de cursos de licenciatura para professores de escolas técnicas.

¿ A expansão chama mais atenção. O prédio dá para tirar fotografia. Outra coisa é formar docentes, não dá para fotografar.

É a mesma coisa que fazer asfalto e fazer esgoto. O asfalto é visível, o esgoto não ¿ afirmou o conselheiro.