Título: Uma violência que é lembrada por toda a vida
Autor: Duarte, Alessandra
Fonte: O Globo, 27/06/2010, O País, p. 17

Número de denúncias de abuso sexual doméstico contra menores mais que quintuplicou no país nos últimos 5 anos

Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Meu pai morreu¿, contou a paciente de 60 anos ao terapeuta.

Ele quis saber mais, e foi assim que, após mais de meio século, ela contava, pela primeira vez, o abuso sexual que sofrera do pai quando criança. A paciente está na lista de depoimentos que o sociólogo Glaucio Soares está colhendo no país para uma pesquisa sobre os efeitos, na vida adulta, da violência sexual doméstica. Crime que, a exemplo da prisão do lavrador no Maranhão que teve sete filhos com a própria filha, vem à tona cada vez mais ¿ segundo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, o número de denúncias de abuso sexual de crianças e adolescentes no país mais que quintuplicou nos últimos cinco anos, passando de 960 denúncias em 2005 para a média de 5.700 no ano passado. No estado do Rio, foram de 134 registros em 2005 e 767 no ano passado.

Segundo Glaucio Soares, pesquisador do Iuperj, em mais de 90% dos casos o autor desse tipo de abuso é conhecido da vítima.

E, em 20% das vezes, é o próprio pai. Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio confirmam o percentual: o último estudo feito em 2006 apontou que em 72% das vezes o abuso sexual contra menores no Estado do Rio ocorreu na própria residência da vítima.

¿ A vítima típica de incesto não é vítima só uma vez. Além disso, a mãe, em vários casos, é cúmplice por depender do agressor, ou ter medo dele. Num depoimento que obtive, quando a vítima foi contar à mãe o que o pai fazia, ouviu dela: ¿Você segura a barra, senão a família acaba, e a gente não vai ter o que comer¿ ¿ destaca o pesquisador, listando os problemas mais comuns que encontrou nas mulheres com quem conversou até agora: ¿ Depressão, sentimento de culpa, planejamento e tentativa de suicídio.