Título: Além do básico
Autor: Mendes, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 23/06/2009, Economia, p. 16

Mesa mais farta com moeda estável e salário mínimo maior Dona de casa Maria de Lourdes: ¿A gente só comprava arroz, feijão e macarrão. Era difícil comer carne. Era migalha, era mais osso no meio do feijão só para dar um gostinho. A vida melhorou 100%¿

Nada falta na mesa da dona de casa Maria de Lourdes Dias Noia, de 63 anos. A geladeira está lotada de pacotes de leite, carne, frutas, refrigerantes e iogurtes. A outra geladeira, que funciona como dispensa, está repleta de arroz, feijão e outros mantimentos. Tamanha fartura, contudo, só foi conquistada na era do Plano Real, que completa 15 anos no próximo 1º de julho, com a inflação sob controle e os preços estáveis. ¿Agora, está bem melhor. Antes, a gente comprava uma coisa e quando voltava minutos depois, já era outro preço¿, lembra.

A quantidade e a variedade dos alimentos consumidos também mudaram radicalmente. Maria de Lourdes conta que comer carne era um luxo. ¿A gente só comprava arroz, feijão e macarrão. Era muito difícil comer carne. Era migalha, era mais osso, no meio do feijão, só para dar um gostinho. A vida melhorou 100%. Hoje é difícil o dia que a gente não come carne¿, relata.Antes, ela só comprava farinha de trigo para fazer bolo, pois rendia e ficava mais barato.

¿Hoje,tenho uma vida boa e me alimento melhor. Antes, não tinha geladeira nem tinha como dar merenda para meus filhos¿, desabafa. Ao lembrar dos tempos em que passou dificuldades, a dona de casa revela que não acreditava que um dia poderia comer os itens que hoje consegue servir.

Poder de compra O valor da cesta básica, essencial para milhões de brasileiros, passou por fases distintas ao longo desses 15 anos. ¿Claro que em 1994 ainda registramos aumento significativo dos preços de alguns alimentos, mas depois eles retrocederam e o valor da cesta ficou negativo em 7%¿, analisa Clóvis Scherer, supervisor do escritório do Dieese no Distrito Federal. O especialista pontua que o custo da cesta básica teve repiques de alta em alguns anos, por problemas de instabilidade de preços no mercado, mas admite que, depois de 1994, houve ¿um ambiente muito mais estável do que tínhamos nos anos 80 e 90¿.

Aliado do custo da cesta básica, o aumento do poder de compra do salário mínimo favoreceu, sobretudo, as famílias que compõem a base da pirâmide social. ¿As pessoas não só passaram a se alimentar melhor, como passaram a arcar com outras despesas, o que não acontecia desde 1985, quando começamos a nossa pesquisa¿, ressalta Clóvis Scherer. ¿Nunca houve um momento em que o salário mínimo cobria mais do que duas cestas básicas em um período próximo a esses¿, reforça. Em consequência, os brasileiros passaram a variar o cardápio, incluindo itens como laticínios, por exemplo, que tiveram forte redução de preços.

Apesar dos progressos, ele destaca que ainda há muito o que avançar. Segundo ele, o mínimo de hoje está mais ou menos no mesmo patamar de valor real equivalente ao período em que passou a fazer parte da Constituição Federal, cujo valor, se fosse atualizado para os dias de hoje, seria de R$ 411,67.

Assim como vários benefícios previdenciários vinculados ao mínimo tiveram seu valor elevado desde o Plano Real, o Bolsa Família também deu grande impulso para que as famílias se alimentassem melhor. ¿É um programa compensatório de renda eficiente. É barato e eficaz, porque acerta as pessoas que deve acertar.¿, avalia Scherer.

Avanços ¿Os profissionais de economia não imaginavam que se podia criar um programa tão eficaz e tão barato¿, ressalta Samuel de Abreu Pessoa, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ele pondera que é difícil criticar o Bolsa Família. ¿Até agora não se identificou muito os efeitos colaterais desse programa como se imaginava¿, diz.

Na visão de Samuel de Abreu Pessoa, o Plano Real é uma etapa do longo processo de desenvolvimento institucional do país. ¿Acho que todas as coisas boas de agora são fruto desse fenômeno (desenvolvimento institucional). Houve uma transição da ditadura para a democracia, que foi um processo longo, e a regulação da economia ocorreu em um processo democrático. Isso é bem demorado¿, explica. Houve a criação de instituições, como o Tesouro Nacional. E, no Plano Real do período Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, houve a negociação das dívidas de alguns bancos estaduais, privatização de alguns setores, a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Falências e de outras modalidades de crédito, como o consignado.

Também são apontados como positivos a independência operacional do Banco Central e a política de superávit primário (economia do setor público para o pagamento de juros da dívida pública) no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. ¿O Plano Real é uma das peças mais emblemáticas. O bem-estar que o brasileiro vive hoje é consequência disso tudo¿, conclui.

"As pessoas passaram a arcar com outras despesas "

Clóvis Scherer supervisor do Dieese no DF

Eu acho ... Fotos: Carlos Moura/CB/D.A Press

¿Para mim, o Plano Real foi uma boa. Antes, a inflação era galopante, as pessoas ganhavam bem, mas nosso dinheiro ia embora. Nesses 15 anos, o poder de compra do brasiliero aumentou. Hoje em dia, todo mundo tem TV a cabo no interior, por exemplo. Quem ganha hoje R$ 2 mil e sabe conduzir as contas domésticas vive bem. No funcionalismo público, as gratificações aumentaram principalmente a partir do governo Lula. Foi quando tivemos plano de carreira.¿ Gentil Cunegundes da Silva Neto

¿Com o real, o custo de vida se estabilizou, demos uma paralisada nessa questão. Mas tem muitas coisas que o governo diz que não está aumentando, mas está, mais na área de alimentação. O Plano Real foi positivo, apesar de não termos muito aumento de salário. Se permanecer assim, vamos normalizar o país. Nossa moeda se fortaleceu ante o dólar. Se isso não mudar, teremos um grande instrumento de resistência contra as demais moedas.¿ »Milton José Vicente Ferreira