Título: Aposentadorias agravam desigualdade no Brasil
Autor: Melo, Liana ; Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 27/06/2010, Economia, p. 35

Previdência de servidor garante 9% da renda dos mais ricos e só 0,9% dos mais pobres. Para analistas, INSS também é injusto

RIO e RIO FORMOSO (PE). O sistema previdenciário brasileiro corrobora o alto nível de desigualdade no país. Na primeira vez que o IBGE levantou o peso das aposentadorias dos servidores públicos para as famílias brasileiras, constatou que, entre os mais ricos (com renda familiar superior a R$ 10.375), esses benefícios representam 9% dos ganhos mensais. Mas, para as famílias mais pobres, com renda de até R$ 830, o peso das aposentadorias e pensões da previdência pública é de apenas 0,9%, mostrou a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada semana passada.

Ou seja, trata-se de um gasto público que beneficia, principalmente, os mais ricos.

Os benefícios do INSS, porém, vão no caminho inverso.

As aposentadorias e pensões do regime geral respondem por 15,5% dos rendimentos totais das famílias que recebem por mês até R$ 830. Três vezes mais do que no grupo dos mais ricos, com ganhos acima de R$ 10.375, cuja participação é de 5%.

Para o especialista em finanças públicas Amir Khair, não é a Previdência a vilã do sistema de aposentadorias do país. Em vez disso, um sistema que acaba permitindo as altas aposentadorias do servidores públicos, incluindo do Judiciário e do Legislativo.

Uma regulamentação eficiente, diz, ajudaria a combater a desigualdade do país.

¿ A maior política de seguridade social e de transferência de renda é a Previdência.

IBGE: desigualdade começa já no mercado de trabalho Para Marcia Quintslr, coordenadora de Pesquisas Domiciliares do IBGE, esta desigualdade decorre da própria inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho, antes mesmo de atingirem a idade da aposentadoria.

¿ Conforme a classe de rendimentos vai aumentando, o peso do INSS vai diminuindo.

Segundo Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), a Previdência no Brasil de maneira geral reforça uma distribuição de renda injusta. Segundo ele, os gastos previdenciário do Brasil são compatíveis com o de países desenvolvidos.

O estado joga dinheiro pelo helicóptero. Mas, na hora de abrir as portas para os pobres, joga moedas. Na hora de abrir as portas para os ricos, joga notas de cem reais. É quase um bolsa para a classe A e B, que tem 18,9% de suas rendas vindo das aposentadorias. É o pobre que precisa é que deveria receber mais do governo. Pelo atual sistema previdenciário, replicamos a desigualdade.

Pelas suas contas, sai bem mais caro reduzir a desigualdade via Previdência do que por programas sociais, como o Bolsa Família: 384% a mais.

¿ O Brasil diminui sua desigualdade, mas poderia ter reduzido muito mais. Para erradicar a pobreza, por exemplo, o Bolsa Família poderia custar R$ 11,2 bilhões por ano. Já somente o reajuste das aposentadorias de 7,7%, aprovado pelo presidente Lula, custará R$ 4,5 bilhões ao ano e isso ainda é um gasto crescente, dado o envelhecimento populacional ¿ comentou Neri, para quem, ao gastar tanto com o regime previdenciário, o governo deixa de investir no futuro das crianças.

A economista Margarida Gutierrez, do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead), da UFRJ, está convencida que a realidade mostrada pela POF é a prova de que o sistema previdenciário brasileiro precisa mudar: ¿ O país deveria adotar um regime de capitalização, para que passasse a haver uma correspondência entre o valor da contribuição e do benefício. O sistema previdenciário brasileiro é totalmente injusto, além de perpetuar a desigualdade social.

`Ainda temos aposentadoria aos 54 anos. Isso é absurdo¿ Só que, para a economista, a injustiça atinge ricos e pobres, já que o sistema previdenciário não adota uma idade mínima para liberar os benefícios: ¿ Mesmo o presidente Lula tendo vetado o fim do fator previdenciário recentemente, ainda temos trabalhadores no Brasil se aposentando aos 54 anos. Isso é um absurdo.

Trabalhador braçal desde criança nos engenhos do município de Rio Formoso, a 92 quilômetros do Recife, o pernambucano Severino Luís da Silva, 56, está na base da pirâmide dos aposentados brasileiros: ganha R$ 510, gasta R$ 200 só com remédios da família e sempre fecha o mês devendo o que vai ganhar no seguinte. Acha injusto receber só um salário mínimo de aposentadoria, porque trabalhava muito no corte de cana, onde ganhava por produção e chegava a fazer o equivalente a dois mínimos por mês.

¿ Compro o remédio da mulher, de uma filha, e ficam sobrando seis bocas para comer.

Fazer o quê? Comprar e ficar devendo no mercadinho ¿ diz o trabalhador, acrescentando nunca ter pensado que ganharia menos depois de se aposentar.

¿ Acho que a mulher do INSS me enrolou. Todo dia 30 sobra mês e falta dinheiro. Quando vira a página da folhinha (calendário) já estou devendo R$ 150 no mercadinho.

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