Título: Ainda sem fazer o dever de casa
Autor: Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 29/06/2010, Economia, p. 21

Fazenda prevê que resultado fiscal negativo cairá à metade, meta do G-20, com forte alta do PIB

Ameta de redução dos déficits fiscais pela metade até 2013, acordada no encontro do G-20 do último fim de semana, deve ser alcançada com facilidade pelo Brasil, mesmo sem haver recomendação expressa no comunicado final da cúpula em relação aos países emergentes, só aos desenvolvidos. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, previu que o déficit nominal do Brasil, hoje a 3,2% do Produto Interno Bruto (PIB), cairá à metade este ano, para 1,5%, o que pode se viabilizar pela forte expansão da economia, mesmo sem cortar gastos. Na zona do euro, que sofre crise de confiança, o déficit médio está em 7,1%. Nos Estados Unidos, supera 10%.

- Não é do Brasil que estamos falando. Se tem um país com condições de cumprir é o Brasil - disse Mantega, no sábado, nas negociações do G-20.

Até a crise que estourou no fim de 2008, a meta do governo era atingir o déficit nominal zero - casamento perfeito entre receitas e despesas, incluindo o pagamento de juros - em 2010. Mas, com a contração da economia em 2009 e as medidas de estímulo para evitar recessão maior, o objetivo foi adiado para 2012. Ainda assim, a situação do Brasil é confortável em relação aos países avançados e até entre emergentes. O déficit nominal é o menor dos países do G-20.

Para o economista da Unicamp Francisco Lopreato, especialista em finanças públicas, o Brasil tem a situação mais cômoda no bloco, mesmo após "o afrouxamento" para enfrentar a crise, como o corte de IPI de bens duráveis:

- Nossa situação não se confunde com a dos EUA e da Europa.

Para Lopreato, a atual política fiscal e a manutenção do crescimento vão levar a uma redução do endividamento público em relação ao PIB. O que poderia afetar a trajetória seria um novo aperto da política monetária:

- Mas não acredito em espaço para se manter alta muito forte de juros, já que o cenário ainda é de recessão nas maiores economias, cujos reflexos também podem ser sentidos no Brasil.

Para o ex-secretário de Finanças de São Paulo Amir Khair, também é necessário "cuidado na administração da Selic", mas ele diz que seria "um tiro no pé" manter uma política econômica que sacrifique a atividade:

- O Brasil tem posição muito cômoda em relação ao G-20. Vejo espaço para reduzir a dívida líquida para nível abaixo de 40% do PIB.

No Japão, dívida atinge 200% do PIB

A recomendação do G-20 tem endereço certo: os países avançados, em especial os com déficits fiscais altos. E atende a uma demanda da Alemanha e de outros europeus, que buscaram na cúpula chancelar suas propostas de ajuste fiscal mais duro após a crise da Grécia. O resultado final foi um equilíbrio entre a proposta de ajuste e a posição dos EUA e nações emergentes, inclusive o Brasil, favoráveis a incentivar o crescimento. Mantega frisou que "os países emergentes não podem carregar nas costas os mais avançados".

Havia o temor de que a cúpula indicasse a retirada de incentivos antes dos prazos originais, em nome de um ajuste forte nas contas, já que estímulos significam mais gastos ou renúncia fiscal. Caso países exportadores como a Alemanha, adotem medidas duras de ajuste, haverá retração do mercado interno afetando as exportações de Brasil e outros emergentes.

Os EUA, que defenderam a manutenção de estímulos ao crescimento, anunciaram que reduzirão seu déficit fiscal de 11% a 4,2% do PIB até 2013, mais que a meta. A Alemanha estima chegar em 2013 com déficit de 3%, contra os 5,6% atuais e o Canadá - que levou ao G-20 a meta de redução dos déficits à metade até 2013 - quer cumprir a meta já no ano que vem.

No Japão, a situação é complicada, com déficit de 7,9% do PIB e dívida equivalente a 200% do PIB, a maior do mundo. Mas a cúpula reconheceu a dificuldade e liberou o governo japonês de cumprir a meta. Em geral, o comunicado diz que "o caminho do ajuste deve ser cuidadosamente calibrado para sustentar a recuperação". E alerta para riscos de ajuste muito rigoroso e sincronizado nos países avançados comprometer a frágil recuperação global. Por outro lado, enfatiza a necessidade dos ajustes.

(*) Enviada especial

COLABORARAM Aguinaldo Novo e Martha Beck