Título: Drive-thru das drogas
Autor: Costa, Ana Cláudia; Berta, Ruben
Fonte: O Globo, 25/06/2010, Rio, p. 18

Polícia Civil prende 17 em ação contra o tráfico na Cruzada São Sebastião, no Leblon

À VISTA DO Cristo, policial com fuzil dá cobertura à operação na Cruzada

AGENTES patrulham as ruas e corredores do conjunto, considerado o segundo maior ponto de venda de drogas na Zona Sul

Ana Cláudia Costa,Ruben Berta e Vera Araújo

APolícia Civil desbaratou ontem um ponto de venda de drogas no coração do Leblon, um dos bairros mais nobres da cidade. Dezessete pessoas foram presas por policiais da 14ª DP (Leblon) no conjunto habitacional Cruzada São Sebastião, uma das poucas áreas da Zona Sul ainda sob o controle do tráfico. Imagens feitas durante as investigações mostram que usuários sequer desciam de seus carros para comprar drogas no local. Em outras gravações, compradores fazem fila diante da boca de fumo. Segundo o delegado titular da 14ª DP, Fernando Veloso, a quadrilha que agia no conjunto era uma ¿filial¿ da Rocinha e movimentava cerca de R$200 mil por mês:

¿ É fácil de imaginar que, com a PM ocupando a maioria dos morros da Zona Sul, os usuários passaram a comprar drogas em outros pontos.

Ao todo, foram expedidos 27 mandados de prisão. Desses, 15 foram cumpridos: sete ontem e oito na semana passada. Outras duas pessoas, sem ligação com o tráfico, foram presas durante a operação. As investigações da Operação Cruzada apontaram que o conjunto era o segundo maior ponto de vendas de drogas da Zona Sul, atrás da Rocinha. Além da Cruzada, Rocinha, Vidigal, Morro Azul (Flamengo), Chácara do Céu (Leblon), Ladeira dos Guararapes e Cerro-Corá (Cosme Velho) são as favelas da Zona Sul ainda sem Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, disse que não tem planos de instalar uma UPP na Cruzada:

¿ Não há justificativas para existir tráfico naquele local. Ali, são vizinhos a Divisão Antissequestro (DAS), a 14ª DP, a Delegacia de Atendimento ao Turista e o 23º BPM (Leblon). Não é factível que não resolvam este problema. Essas unidades terão que dar uma resposta. Isso é grave.

A venda de drogas acontecia entre a Avenida Afrânio de Mello Franco e o Jardim de Alah. A menos de 250 metros da 14ª DP, da DAS e do Shopping Leblon, traficantes vendiam drogas a motoristas, muitos com carros importados, no ponto conhecido com ¿drive-thru do pó¿. Na rua, filas se formavam para comprar entorpecentes.

Família inteira foi para a cadeia

As investigações da polícia começaram em março. Policiais se infiltraram na Cruzada e descobriram que o tráfico era feito na rua, à luz do dia e em barracas, como se fossem camelôs. Usuários eram abordados no meio da rua por traficantes, que indicavam os pontos de venda. A estratégia dos criminosos foi mudando à medida que polícia começou a fechar o cerco contra a quadrilha. Somente na semana passada foram feitas cinco prisões em flagrante na Cruzada.

Ontem, uma família inteira foi para a cadeia. O chefe do tráfico no conjunto, Ramon Antunes Marinho, escondia drogas e dinheiro em casa, com a conivência da mãe, Sônia Pereira Antunes. Ele continua foragido, mas ela foi presa na tarde de ontem, no Centro do Rio, por associação para o tráfico. Sônia aparece em uma das escutas feitas com autorização da Justiça falando com filho sobre o dinheiro da venda de drogas. A companheira de Ramon, Samyra Marques de Oliveira, que também foi capturada, é acusada de ir diariamente à Rocinha levar o dinheiro da venda de entorpecentes e trazer de volta carregamentos de maconha.

A operação começou por volta das 9h. Policiais da delegacia do Leblon, com o auxílio de equipes da 12ª DP (Copacabana), cercaram as duas entradas da Cruzada. A primeira prisão foi feita em um dos blocos, quando policiais entraram sem uniforme e pegaram em flagrante Wagner da Conceição Rocha. Não houve confrontos, mas, em um dos blocos, traficantes chegaram a lançar um explosivo do alto dos prédios. Ninguém se feriu.

Ainda segundo as investigações, maconha, cocaína e crack chegam à Cruzada já embaladas. Quando o estoque acabava, traficantes locais faziam contato com a Rocinha pedindo outro lote. De acordo com o delegado Veloso, traficantes da Cruzada não costumavam andar armados com fuzis na rua principal do conjunto para não assustar os usuários.

Para o policial, a venda de drogas na Cruzada foi uma das formas de o traficante Francisco Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha, atrair mais usuários de classe média e média alta.

¿ A droga, nesse caso, não era vendida em morro e sim no asfalto, praticamente no coração da Zona Sul. O usuário não precisava ir até a boca de fumo na favela e se deparar com ostentação de fuzis e armas de grosso calibre ¿ disse o delegado.

Um baile funk, realizado às sextas e sábados na quadra de uma escola ao lado da Cruzada, servia para que traficantes vendessem mais drogas nos finais de semana. Na operação de ontem, a polícia apreendeu maconha, cocaína, dinheiro e um caderno com a contabilidade do tráfico.

Além dos traficantes, foram presos Leonardo Martins Rodrigues, de 29 anos e Michele de Oliveira Rodrigues da Silva, de 26 anos, que tinham mandados de prisão por maus tratos ao filho de sete anos. Segundo o delegado, eles foram denunciados pela avó do menino. A mulher, que está grávida, foi presa quando ia ao médico.

oglobo.com.br/rio

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