Título: Cartéis afrontam o México
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Fonte: O Globo, 29/06/2010, O Mundo, p. 28

Tráfico mata candidato a governador perto da fronteira com os EUA a 6 dias de eleições

PERITOS INSPECIONAM o carro do candidato ao governo de Tamaulipas, Rodolfo Torre Cantú: promessas de devolver segurança à região da fronteira com os EUA

RODOLFO TORRE na campanha: números lhe davam vantagem de pelo menos 20% sobre o adversário

O PRESIDENTE mexicano, Felipe Calderón, condenou o crime no palácio presidencial de Los Pinos

CIDADE DO MÉXICO

Num crime que desafia os esforços do presidente Felipe Calderón para desmantelar a ação de cartéis de drogas que vêm aterrorizando o norte do México, pistoleiros assassinaram ontem Rodolfo Torre Cantú, candidato oposicionista ao governo do estado de Tamaulipas, junto à fronteira com o Texas. Outros seis homens que acompanhavam o candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI) também morreram na emboscada, quando visitavam a região para encerrar a campanha antes das eleições, marcadas para o próximo domingo.

Torre, um médico de 46 anos, liderava as pesquisas de opinião comandando a coligação ¿Todos Tamaulipas¿, formada pelo PRI e pelos partidos de Oposição Verde (PVEM) e Nova Aliança (PNA). Os números mostram que ele tinha 67% de apoio ¿ contra apenas 25% do adversário, José Julián Sacramento, do governista Partido Ação Nacional (PAN). A segurança pública era o foco de sua plataforma política, e sua morte é atribuída a pistoleiros ligados aos cartéis de drogas mexicanos que atuam na fronteira com os Estados Unidos ¿ palco de violentos embates entre os grupos Los Zetas e o dissidente Cartel do México nos últimos meses.

Calderón culpa cartéis

O candidato teve os três carros de sua comitiva emboscados ontem, por volta das 11h locais, quando viajava com um grupo de aliados entre os municípios de Ciudad Victoria e Soto la Marina. O comboio seguia para o aeroporto, de onde partiria para a cidade fronteiriça de Matamoros, onde Torre participaria do encerramento da campanha do candidato à prefeitura, Alfonso Sánchez Garza. Os veículos foram encontrados com todos os vidros quebrados e a lataria perfurada por centenas de disparos. As primeiras perícias apontam ainda que pelo menos 16 atiradores estiveram envolvidos no ataque.

Além de Torre, as outras vítimas foram o deputado Enrique Blackmore, o chefe da segurança, Aureliano Balleza, e os guarda-costas David Castelo, Dante Quirós e Gerardo Subiate. O secretário particular do candidato, Alejandro Martínez, que chegou a ser socorrido com vida, não resistiu e morreu no hospital.

Segundo o jornal ¿El Universal¿, diversos políticos favoráveis ao combate às gangues do tráfico vêm recebendo ameaças nas últimas semanas. No mês passado, o candidato a prefeito do PAN na cidade de Valle Hermoso já fora assassinado a tiros. Na capital, Cidade do México, o presidente Felipe Calderón convocou uma reunião de emergência do Gabinete para discutir o episódio, coordenar as investigações e discutir a segurança.

¿ Comprovamos hoje que o crime organizado é uma ameaça permanente e que devemos unir as fileiras para enfrentá-lo ¿ disse Calderón, num comunicado. ¿ Não podemos permitir que o crime imponha sua vontade e regras perversas para interferir nas decisões dos cidadãos e no processo eleitoral.

PT pede adiamento de eleições

Da esquerda à direita, a agressividade do ataque causou perplexidade no Congresso mexicano: trata-se de um crime contra um integrante da mais alta arena política do país desde o assassinato do candidato à Presidência Luis Donaldo Colosio, do PRI, morto a tiros durante um comício na cidade de Tijuana, em 1994. O deputado Alejandro Encinas, líder do também oposicionista Partido Revolucionário Democrático (PRD), advertiu para o fato de o ataque ser ¿um golpe contra as instituições do país¿.

¿ Esse homicídio significa um retrocesso na luta pela igualdade, um regresso ao passado, onde grupos escusos tentam satisfazer seus interesses sem se importar com o padecimento do Estado mexicano e de suas instituições ¿ disse Encinas.

A opinião é compartilhada pelo especialista em segurança nacional Javier Oliva, na Universidade Autônoma Nacional do México:

¿ Isto não foi uma mensagem, foi um desafio. Quão longe será que (os traficantes) estão prontos para ir?

A ameaça de violência contra eleitores e candidatos fez o Partido dos Trabalhadores (PT) pedir o cancelamento do pleito em Tamaulipas e em outros cinco estados vizinhos. No próximo domingo, serão realizadas eleições em 14 estados ¿ em 12, estará em jogo o cargo de governador ¿ , e o crime já mudou a agenda de muitos candidatos, que decidiram suspender os últimos dias de corpo-a-corpo e optar por reuniões fechadas e atividades nas redes Twitter e Facebook.

O crime chocou também o eleitorado mexicano. Muitos temem que o país transforme-se numa versão da Colômbia dos anos 90, quando os cartéis de drogas chegaram a bombardear prédios governamentais e matar políticos e juízes. Ontem, mais de 22 mil pessoas lamentavam a morte de Torre em sua página no Facebook.

¿Que descanse em paz o homem que queria que Tamulipas fosse um estado seguro e tranquilo para nossas famílias. Não é justo que a delinquência massacre gente de bem¿, escreveu Blanca Galindo Rivera.

Desde o início do ano, o México enfrenta uma escalada de violência ligada às disputas entre cartéis de traficantes rivais. Os estados de Tamaulipas e Chihuahua são os mais atingidos pela ação dos bandidos, que usam cidadelas junto à fronteira com o estado americano do Texas como rota do tráfico internacional de drogas, transformando-se em preocupação para mexicanos e americanos. Desde 2006, quando o governo Calderón iniciou uma investida contra o narcotráfico, pelo menos 25 mil pessoas já morreram em confrontos com o tráfico em todo o território mexicano.