Título: Crise ainda reflete em José Sarney
Autor: Rothenburg, Denise; Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 24/06/2009, Política, p. 5

Escolha dos novos diretores não tira da berlinda o presidente da Casa, que já admite intervenções externas para arrefecer ânimos e minimizar distorções.

Agora, é tudo com o Heráclito¿ Sarney chegou a dizer essa frase a assessores mais próximos. Pouco depois, descobriu que não era bem assim

A escolha dos novos diretores do Senado serviu apenas para colocar novos ingredientes na crise que atinge a Casa. Não tirou o seu presidente, José Sarney (PMDB-AP), da linha de fogo. Logo cedo, ele foi alertado por assessores e por alguns colegas parlamentares que a escolha de Haroldo Tajra para a direção-geral da Casa, e de Doris Marise para a diretoria de Recursos Humanos, teria o efeito de um estalinho das festas de são-joão. Ele, no entanto, custou a acreditar. Só se convenceu quando, antes mesmo da reunião da Mesa Diretora, com os nomes recém-anunciados, os sites de notícias informavam que Sarney nomeara a ex-chefe de gabinete de sua filha, Roseana, e o primo do suplente de Heráclito Fortes. Sarney sabe que, nos próximos dias, estará em teste. Por isso, as outras medidas, como a edição de contracheque único para cada servidor e as investigações externas.

A certeza de que não saiu do canto do ringue foi que levou Sarney, antes mesmo da reunião da Mesa Diretora, a telefonar para o procurador-geral da República, Antonio Fernando de

Souza, e pedir a um procurador para verificar as mazelas na folha de pagamentos. Falou também com o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Ubiratan Aguiar, para requisitar uma auditoria, duas ações que até então o comando do Senado resistia em tomar.

Com essas atitudes, Sarney esperava ter saído do foco. Chegou a mencionar com alguns auxiliares: ¿Agora é tudo com o Heráclito¿. De fato, Herácilto assumiu a responsabilidade pelas nomeações. Mas não adiantou. No plenário, o senador Renato Casagrande (PSB-ES) partiu para a cobrança de decisões mais contundentes: ¿Sabemos que a responsabilidade é de todos, mas em especial do presidente da Casa¿.

Os mesmos assessores que alertaram Sarney sobre a impotência das medidas e substituições anunciadas ontem para pôr um fim à crise foram diretos ao avisar que a população deseja mais: corte de servidores que não trabalham, de 14º salários para os senadores, e o fim dos ralos de recursos públicos como, por exemplo, na Unilegis e Interlegis, que são vistas como cabides de empregos. ¿Ou corta ou a crise continua¿, comentou um fiel escudeiro de Sarney.

O presidente, no entanto, só ouviu. Na reunião da mesa Diretora, escutou duras palavras do líder do PT, Aloizio Mercadante (PT-SP), que cobrou a demissão e, se não fosse possível, a suspensão dos ex-diretores Alexandre Gazineo, exonerado ontem, e de Agaciel Maia e João Carlos Zoghbi, pivôs do início da crise 1, que eclodiu tão logo Sarney foi eleito presidente. Decidiu-se que, com a sindicância em curso, é preciso aguardar. O máximo que ocorreu ontem, no entanto, foi um apelo de Sarney a Agaciel para que ele não circule pelos corredores do Senado, ou fique em casa. ¿É melhor ele em casa recebendo sem trabalhar do que aqui, influenciando as investigações. O certo seria a suspensão sem vencimentos¿, comentou Arthur Virgílio (PSDB-AM).

No banco Na dura batalha que enfrenta para sair das chamas, Sarney já não conta com a atitude de peito aberto dos mais fiéis defensores, os líderes do PMDB, Renan Calheiros (AL), e do PTB, Gim Argello (DF). Ontem, por exemplo, os dois fizeram questão de ficar longe dos holofotes. Explica-se: Renan, por causa da verba indenizatória, volta a ter que dar explicações. E Gim tem se exposto muito nos últimos tempos. Prefere ficar mais recluso.

O próprio Sarney pretende atravessar esse corredor polonês falando o menos possível. Ontem, dirigiu-se ao plenário apenas depois que a parafernália de câmeras de TV, microfones e luzes tinha se dissipado da porta de seu gabinete, arrastada por Heráclito Fortes e oposicionistas que corriam para discursar em plenário e comentar as decisões perante às câmeras da TV Senado. Ao seu lado, nenhum senador. Apenas assessores e amigos do Amapá e do Maranhão. Sarney sabe que, nesse teste, estará cada vez mais sozinho.

1 ABUSOS EM SÉRIE A crise do Senado teve início há quatro meses, com a casa não declarada ao IR do ex-diretor Agaciel Maia. De lá para cá, só piorou. Vieram as denúncias contra o substituto dele, João Carlos Zoghbi, a farra das passagens aéreas, o abuso das horas extras e o auxílio-moradia pago a Sarney. Agora, culmina com os atos secretos e a folha de pagamentos inchada.