Título: Brasil cede e não vai retaliar EUA
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 18/06/2010, Economia, p. 23

País adia por 2 anos decisão contra americanos autorizada pela OMC

O Brasil decidiu adiar, por dois anos, a retaliação de US$ 829 milhões contra os Estados Unidos, autorizada pela Organização Mundial do Comércio (OMC) em novembro de 2009, por apostar em um acordo que prevê a redução dos subsídios domésticos concedidos aos produtores americanos de algodão em 2012, quando será reformulada a Farm Bill ¿ lei agrícola daquele país. O anúncio foi feito pelo embaixador brasileiro na OMC, Roberto Azevêdo, após reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex).

O acordo foi fechado na última quarta-feira, sem que o governo americano apresentasse propostas adicionais à oferta feita em abril deste ano.

Os EUA mantiveram as propostas de redução dos subsídios à exportação; a criação de um fundo de US$ 147,3 milhões por ano ¿ a maior compensação financeira da História do comércio mundial, segundo o Itamaraty ¿ para financiar a os produtores nacionais de algodão; e o reconhecimento de Santa Catarina como estado livre de febre aftosa, sem vacinação.

Medidas como a eliminação de barreiras ao etanol e ao suco de laranja, por exemplo, ficaram de fora.

Os ministros da Camex decidiram esperar por mudanças na legislação americana, que precisarão ser aprovadas pelo Congresso dos EUA, por acreditarem em uma solução negociada para o impasse, que já dura oito anos. Mas Azevêdo afirmou que o acordo poderá ser rompido a qualquer momento, caso os EUA não cumpram o que já prometeram.

¿ O acordo ainda não é uma solução definitiva. O Brasil não abre mão do seu direito de aplicar as contramedidas a qualquer momento.

Nós não temos interesse em retaliar. Nem os EUA têm interesse em serem retaliados ¿ afirmou

Empresários acham que foi positivo

Azevêdo esclareceu que o governo e o setor privado brasileiro não viam qualquer vantagem na retaliação. Ele defendeu o acordo, argumentando que o que ficou acertado obrigará os EUA a se movimentarem para adequar seus programas de subsídios a normas internacionais de comércio.

¿ Nenhum empresário brasileiro foi ao meu gabinete defender a retaliação contra os EUA ¿ assegurou.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Haroldo Cunha, o resultado da negociação foi positivo para o Brasil. Ele acredita que o Legislativo americano será fortemente pressionado pelos setores cinematográfico, literário e de medicamentos, principalmente, para que as mudanças sejam aprovadas. O Brasil poderia aplicar a retaliação nessas áreas.

¿ O que nós sempre defendemos é que a retaliação funcionasse como mecanismo de pressão ¿ disse Cunha.

O ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa considerou o acordo ¿positivo e construtivo¿.

Em sua opinião, a solução a que se chegou forçará os EUA a mudarem sua política de subsídios.

¿ Não havia alternativa. Foi a melhor solução ¿ disse o economista Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Sanções poderiam atingir direito autoral

O acordo dá continuidade aos compromissos já assumidos pelos americanos, que ganharam mais tempo do Brasil para negociar uma saída há cerca de dois meses. O prazo terminaria na próxima segundafeira e, se o governo não tivesse desistido de retaliar os EUA neste momento, seriam aplicadas sanções comerciais, incluindo o aumento das tarifas de importação de 102 itens e a suspensão de patentes e direitos autorais em diversas áreas, como medicamentos, filmes e programas de computador.

No caso dos subsídios domésticos, cuja principal fonte de recursos é o Tesouro americano, a ideia é estabelecer tetos anuais para a liberação das subvenções em patamares inferiores ao que estava em vigor entre 1999 e 2005, que foi usado como base na ação movida pelo Brasil na OMC.

Quanto ao fundo dos produtores de algodão, será aberta uma conta já na semana que vem, no Banco do Brasil, onde será depositada a primeira parcela, no valor de US$ 30 milhões.

Outro compromisso dos americanos diz respeito a revisões semestrais do programa de Garantia de Crédito à Exportação (GSM, como é chamada nos EUA), que oferece subsídio aos produtores de algodão americanos. A primeira delas está prevista para o próximo mês de outubro.

Segundo Azevêdo, até 2012, o prazo de pagamento do GSM cairá de 36 para 16 meses. Também haverá alteração no prêmio de risco cobrado pela operação: sempre que o montante desembolsado pelo programa for superior a 48% do orçamento semestral, haverá aumento de 11% no valor do prêmio. Se os recursos superarem 55% do orçamento, o reajuste será de 15%.

¿ Os EUA gastam US$ 5,5 bilhões por ano no GSM ¿ disse.

O vice-presidente do Sindicato da Indústria Farmacêutica (Sindusfarma), Nélson Mussolini, disse que a decisão do governo de não retaliar o setor foi positiva para a indústria e para o consumidor: ¿ A retaliação viria na forma de sobretaxas nas importações de insumos farmacêuticos dos EUA.